
Na última década do século XIX o ministro
da Fazenda, Oliveira Martins, aumentou os 
impostos e esperou por uma revolta popular. 
Nada. Naquela época, "isto", o país, "já nem 
sequer tem energia para se revoltar", notou. 
Olhando para o que se passou ontem, 
percebe-se como, apesar da passagem do 
tempo, pouco mudou desde este episódio 
citado na História de Portugal de Rui Ramos. 
O semanário Sol revelou despachos 
judiciais e transcrições de conversas que 
envolvem o primeiro-ministro num plano 
para silenciar a TVI? Muito bem, lá se 
ouvem frases de circunstância e tudo se 
mantém no remanso do costume. À 
custa dessas notícias, há motivos que 
reforçam as dúvidas e a perplexidade 
sobre o papel do procurador-geral da 
República e do presidente do Supremo 
Tribunal de Justiça, que mandaram 
arquivar os despachos e as escutas sem 
sequer abrirem um inquérito? Talvez, 
mas as suspeitas de violação de direitos 
constitucionais já não merecem mais do 
que a apatia do costume.
O que ontem foi revelado em Portugal
O que ontem foi revelado em Portugal
não pode, no entanto, ser recebido com 
mais um encolher de ombros. Os 
indícios são de tal forma graves que, 
se confirmados, tornam a democracia 
portuguesa uma farsa e o estado de direito 
um devaneio lírico. Cansado de tantas 
suspeitas, informações, denúncias ou 
críticas sobre a relação entre José Sócrates 
e a liberdade de imprensa, o país já fica 
imune a qualquer nova que o associe 
ao condicionamento de jornalistas ou a 
pressões sobre televisões. Mesmo quando, 
como agora acontece, essa acção é 
valorizada por magistrados e exposta em 
telefonemas de personagens do PS que 
constantemente invocam o seu nome.
PÚBLICO- comentário de Manuel Carvalho
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O português, através das rasteiras da História, habituou-se a ser desconfiado. Desconfia até de quem lhe fala verdade. Os trezentos anos de Inquisição e os quarente de salazarismo embutiram-lhe o espírito da resignação e do sofrimento e amputaram-lhe a vontade do exercício do seu direito à indignação. Espera sempre que sejam os outros a dar o primeiro tiro. E quando a revolução avança, não a sabe concluir. E a revolução de 25 de Abril já está muito longe, porque não foi bem concluída. Ficou a meio do caminho. Alguém lhe fechou os portões para que o banquete e o festim continuassem a ser reservados e privados.
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