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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Como se pode confiar neles?


Na última década do século XIX o ministro
da Fazenda, Oliveira Martins, aumentou os
impostos e esperou por uma revolta popular.
Nada. Naquela época, "isto", o país, "já nem
sequer tem energia para se revoltar", notou.
Olhando para o que se passou ontem,
percebe-se como, apesar da passagem do
tempo, pouco mudou desde este episódio
citado na História de Portugal de Rui Ramos.
O semanário Sol revelou despachos
judiciais e transcrições de conversas que
envolvem o primeiro-ministro num plano
para silenciar a TVI? Muito bem, lá se
ouvem frases de circunstância e tudo se
mantém no remanso do costume. À
custa dessas notícias, há motivos que
reforçam as dúvidas e a perplexidade
sobre o papel do procurador-geral da
República e do presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, que mandaram
arquivar os despachos e as escutas sem
sequer abrirem um inquérito? Talvez,
mas as suspeitas de violação de direitos
constitucionais já não merecem mais do
que a apatia do costume.
O que ontem foi revelado em Portugal
não pode, no entanto, ser recebido com
mais um encolher de ombros. Os
indícios são de tal forma graves que,
se confirmados, tornam a democracia
portuguesa uma farsa e o estado de direito
um devaneio lírico. Cansado de tantas
suspeitas, informações, denúncias ou
críticas sobre a relação entre José Sócrates
e a liberdade de imprensa, o país já fica
imune a qualquer nova que o associe
ao condicionamento de jornalistas ou a
pressões sobre televisões. Mesmo quando,
como agora acontece, essa acção é
valorizada por magistrados e exposta em
telefonemas de personagens do PS que
constantemente invocam o seu nome.
PÚBLICO- comentário de Manuel Carvalho
.
O português, através das rasteiras da História, habituou-se a ser desconfiado. Desconfia até de quem lhe fala verdade. Os trezentos anos de Inquisição e os quarente de salazarismo embutiram-lhe o espírito da resignação e do sofrimento e amputaram-lhe a vontade do exercício do seu direito à indignação. Espera sempre que sejam os outros a dar o primeiro tiro. E quando a revolução avança, não a sabe concluir. E a revolução de 25 de Abril já está muito longe, porque não foi bem concluída. Ficou a meio do caminho. Alguém lhe fechou os portões para que o banquete e o festim continuassem a ser reservados e privados.

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