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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Poema: COMUNIKAÇÃO - por maria azenha

Óleo - Nguyen Dinh Dang
Imagem selecionada pela autora do poema.

COMUNIKAÇÃO

Ah,não me tragam jornais !
nem discursos, nem notícias !
nem ciências d’empilhar astros !
Sou filha de todo o mundo
e escrevo versos de rastos !
……………………………………..
E do Espaço comuniko ,
no Espaço digo a meu Pai :

Tempo nublado no Mundo !
Buenos Aires ,
nenhuma Consolação 
Rio ,
1992 , Mar de Junho ,
Nova Iorque ,
Ladrão .

Europa!
Sábado!
Domingo !
A Grande e Monumental Prisão
no almofariz-atómico da Terra!

No Espaço comuniko :
digo pobre ,
digo rico ,
a calça negra do PIB
o quark
o IP : ou seja :
o índice de Poluição ,
o Buraco-Negro ,
a crise do Relâmpago ,
a chuva na Jugoslávia ,
IELTSIN ,
os sete países mais ricos ,
milhares de hectares produzidos
por novos escravos
em novo estilo marquês-de-sade ,


Projectado em iates ,
onde cromossomas azuis de fino trato
são exportados diariamente
para a Produção
para a Perfeição-Extrema-do-Corpo ,
para todas as Ideologias de Conforto ,
para os eclipses ,
para o Morto ,
para a Notre-Dame-da-Vida ,
para o Catolicismo-do-Ozono ,
para a Comunicabilidade diária ,
para o Esgoto .

para quem sabe no governo traficar
um Kilo de Cocaína ,
um metro de papoilas ,
um carro ,
uma camioneta de moscas ,
um camião de políticos ,
doze facadas , embriões humanos in vitro ,
uma colecção de narcóticos ,
um tubo de ensaio de Gritos ,
homens e mulheres irreconhecíveis
e ainda
um museu de Presos trucidados
enquanto uma Laranja adormecida
se penteava .

tudo isto participa
dum meti-cu-lo-sí-ssimo Plano !
tudo isto é o Grande Circo da Propriedade Humana !
tudo isto funciona como um Carnaval avariado
pela Esfinge do Caos ,
pelo código das Esculturas da Noite
que em nome da Santa-Fome
em nome de todo o globo ,

vão construindo

milhões de dormitórios para não-haver-sono ,
supermercados para o Consumidor ,
hipermercados para o Hiperconsumidor ,
cartões de Crédito para o Devedor,



Sistemas telefónicos internos
Para
CO
MU-
NI
KAR nenhum fogo
avenidas –sem-ruído para não-ser amor
propfessores para o não-pensador ,
computadores
para CO
MUNI-
KAR

e no centro do globo ,
a Consciência
Cósmica sem ter um lugar !

E ainda ,
num raio de 70 metros aproximadamente
todas as ruas arborizadas milimetricamente
com 
moscas voadoras,
árvores de plástico,
varejeiras,
flores,
e
as montanhas
não vão aumentar de preço !

a cada mugido de uma vaca
é logo separada a Cria !



e tudo isto ,
pela cor-verde-mar
dos pecados de Roma
e
das Flores putrefactas .
Tudo isto como um jogo de Deus e do Diabo
num supermercado vazio !
Tudo isto porque Adão e Eva
não conhecem a Poesia de Vanguarda !


Em minha opinião
os Donos do Mundo e os seus Revendedores
alcançaram a graça recebida
pelo espírito do Lodo
no plano astral da Vida .

mas eu digo :
Nós não somos Gado !
Nós somos Criadores !
e por tal motivo ,
em vez de Pássaros e Ruídos ,
traremos para a Conferência do Mundo
o chão varrido pelos lábios destes Senhores ,
e em nome do Cosmos ,
em nome da essência do Homem ,
da nova Atlântida do mundo ,
semearemos acácias
no
ventre dos meninos !

Folhearemos mais tarde
O
Álbum da Terra
E
os cinco continentes de ouro
serão 
to-
dos
UM !

in " P.I.M.", 1999


Nota crítica: Trago para aqui as palavras de Citoyen du Monde, a propósito deste poema de Maria Azenha: “Este poema reflecte sem dúvida o ADN  poético de Maria Azenha. Gostei muito de reler esta força de intemporalidade e verdade”.
Trata-se, na verdade, de um poema de antologia. Porque é subversivo na forma e no tema. Na forma, porque a autora, mais uma vez, transgride o cânone, apoiando-se na desconstrução das palavras e da sua irregular disposição no texto, como suporte para a construção das suas metáforas, sempre surpreendentes. No tema, porque, de uma forma cáustica e arrasadora, submete ao ridículo, através de uma caricatura (como se o poema fosse panfletário ou um poema denúncia), os atores e os principais responsáveis da trágico-comédia que revolve o mundo, situando-se num tempo, não muito longínquo, de intensa crispação, marcado pela hipocrisia dos poderosos, mas que não perde atualidade nos dias de hoje. Eu diria mesmo que será sempre um “poema atual”, na medida em que o Homem nunca ultrapassará as misérias da existência, aqui denunciadas.
Estamos na presença de um dos melhores poemas da Maria Azenha, já que vem marcado por uma inconfundível e prodigiosa originalidade.

A "poeta" Maria Azenha colabora neste blogue, publicando-se um poema de sua autoria, às quintas-feiras. 

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