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sábado, 4 de setembro de 2010

Notas do meu rodapé: As gerações falhadas


Americanização intelectualmente frígida
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"Um estudo divulgado nos Estados Unidos revela que a maioria dos norte-americanos que está prestes a entrar na universidade não consegue escrever em letra cursiva. Também de acordo com a "Mindset List" ", uma pesquisa feita anualmente por académicos da Universidade de Beloit , no Wiscosin, os alunos que se vão licenciar em 2014 pensam que a Checoslováquia nunca existiu.
Os resultados da pesquisa são preocupantes: Os estudantes inquiridos, que vão integrar as turmas de 2014, acham que Beethoven , o célebre compositor alemão, é apenas "um cão", enquanto que Michelangelo , o renomado pintor italiano, não passa de "um vírus de computador".
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Conhecimentos de uma geração
De acordo com a "Mindset List", para os estudantes nascidos em 1981, a Jugoslávia nunca existiu. Já os norte-americanos que vieram ao mundo em 1980 acham que João Paulo II foi o único Papa que existiu.
Na área do cinema, os estudantes também não mostraram mais conhecimentos. Por exemplo, o célebre ator, realizador e produtor norte-americano Clint Eastwood , é, segundo os jovens, um "famoso cineasta de Hollywood" e nunca protagonizou o filme "Dirty Harry" ("'Dirty Harry'? O que é isso?", perguntaram).
No desporto, os conhecimentos também não melhoram. Para os estudantes norte-americanos, John McEnroe é um modelo de publicidade que nunca pôs os pés num court de ténis.
A pesquisa revela ainda que, com telemóveis a informarem permanentemente a hora, já nenhum estudante norte-americano usa relógio.
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Referências culturais efémeras
A maioria dos estudantes norte-americanos prestes a entrar na universidade acha que Beethoven é "um cão" e que Michelangelo não passa de "um vírus de computador", revela o estudo "Mindset List".
A "Mindset List" foi elaborada pela primeira vez em 1998 pelo professor de Humanidades, Tom MacBride, e pelo ex-diretor de Relações Públicas, Ron Nief, da Universidade de Beloi. As conclusões surgiram a partir de perguntas feitas à geração que teria um diploma universitário em 2002.
Os professores levaram um ano para compor o estudo, tendo pedido apoio a colaboradores, consultado trabalhos literários e notícias divulgadas pelos meios de comunicação no ano do nascimento das pessoas que entraram na universidade em agosto ou setembro, início do ano escolar os EUA.
O objetivo inicial era chamar a atenção das autoridades na área da Educação para uma realidade: As referências culturais evaporam-se. A pesquisa acabou por ganhar popularidade e passou a ser feita anualmente, tornando-se num género de radiografia dos conhecimentos de uma geração."
Notícia do Expresso, citada pelo Iluminatus Lex
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Esta ausência de referências culturais não é só evidente nos Estados Unidos. Afecta as novas gerações de todos os países desenvolvidos, que iniciaram a massificação do ensino no pós-guerra. Em Portugal. o processo iniciou-se no início da década de setenta, do século passado, com a reforma do ministro caetanista, Veiga Simão.
Conscientemente ou não, o processo não referenciou os modelos educacionais ao princípio do desequilíbrio entre a quantidade/qualidade, não acautelando com medidas correctoras a inevitável deterioração das competências culturais adquiridas.
Existem já inúmeros estudos sociológicos sobre este problema, a maioria a equacionar como causa principal o hiato geracional ao nível da cultura. Inicialmente, com a crescente urbanização das populações rurais, e, actualmente, com o aparecimento das sucessivas gerações dos filhos dos imigrantes, todos os modelos esbarraram com a dificuldade de ultrapassar a falta de cultura dos pais dos alunos, o que leva a sobrelevar, como factor decisivo para a aquisição de cultura (o que é diferente da aquisição de conhecimentos), a influência do meio familiar e social em que os alunos estão inseridos.
Outro factor apontado como limitador da aquisição da capacidade cultural é a influência das novas tecnologias, que não propiciam o saber pensar, que só o método dialéctico atinge na plenitude. E aqui a culpa é dos responsáveis das políticas educacionais, que, progressivamente, têm desvalorizado o tronco das ciências sociais e humanas e menorizado o ensino da Filosofia.
Recordo-me que nos anos oitenta do século passado, um professor universitário norte-americano referia a predominância do pensamento bipolar, desenvolvido no ensino secundário com a iniciação da aprendizagem da informática, nos seus novos alunos do curso de Física, o que dificultava a sua inserção na metodologia do pensamento científico, baseado no binómio da causa/efeito.
Mas, à volta deste fenómeno, o das deficiências culturais, existe uma outra dimensão preocupante, e que não passou despercebida aos ideólogos do actual sistema produtivo, o capitalismo neo-liberal, a quem interessa uma população acéfala culturalmente, apenas apetrechada com os conhecimentos específicos para o desempenho das tarefas que o sistema exige, e, ao mesmo tempo, incapaz de se interrogar sobre a natureza perversa do próprio sistema, que se sustenta através da exploração desenfreada do factor trabalho. Talvez seja por isso que se assiste a uma estranha apatia em relação à teorização sobre a origem da actual crise mundial. As pessoas, mesmo as que possuem estudos superiores, não a entendem, o que sossega as classes possidentes.

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