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segunda-feira, 2 de abril de 2012

Federação Nacional dos Médicos: A Revisão do Internato Médico e o processo de acesso

A Revisão do Internato Médico e o processo de acesso

O Internato Médico no nosso país tem sido ao longo de várias décadas um processo de formação altamente qualificado, devidamente estruturado, com um enquadramento legal bem definido e com um estatuto laboral assente em direitos semelhantes aos restantes médicos.
Esta situação tem contrastado com a grande maioria dos países mais desenvolvidos, onde esta fase formativa tão importante na vida profissional dos futuros especialistas tem sido aproveitada para uma sobre exploração laboral, sem horários e tempos de formação definidos e sujeita à arbitrariedade das hierarquias.
Ao longo do tempo foram tomadas diversas medidas com o claro objectivo de desmantelar o Internato e de, por essa via, procurar criar um número alargado de médicos sem acesso às especialidades, permanecendo como indiferenciados e como mão-de-obra barata.
Estas medidas tiveram os aspectos mais nefastos durante os ministérios dirigidos por Leonor Beleza, no final década de 1980, e por Luís Filipe Pereira, há alguns anos atrás.
Apesar disso, a estrutura essencial do Internato tem permitido continuar a assegurar uma formação de qualidade.
Nos últimos 3 anos, a saída dos serviços públicos de saúde de alguns milhares médicos motivada pelas alterações legais profundamente lesivas no sistema de cálculo das reformas, introduziu um dado novo e extremamente preocupante em todo o sistema de funcionamento da formação, dado que esses médicos estavam numa faixa etária laboralmente activa e detentora das mais altas diferenciações técnico-científicas, debilitando a qualidade formativa do Internato.
Num momento em que está em desenvolvimento, a nível do Ministério da Saúde, uma fase de análise técnica do processo de revisão do Internato Médico, entendemos transmitir as seguintes posições relativas ao seu acesso:

1- Tem de haver uma clara e rigorosa definição dos numerus clausus nas Faculdades de Medicina em função da previsão das necessidades do país e não por motivos de demagogia política e eleitoral.
Assim, impõem-se no actual momento proceder à diminuição do número global de entradas nas Faculdades de Medicina, bem como eliminar o chamado regime especial de acesso que só existe para o curso de medicina e que todos os anos implica cerca de 15% desse número de novos alunos inscritos.
Por outro lado, a existência de um número razoável de cidadãos portugueses a frequentar cursos de medicina no estrangeiro, bem como cidadãos de outros países que vêm para o nosso país fazer o internato constitui uma variável de difícil controle ou previsibilidade que se traduz por um impacto muito delicado na definição de uma política de numerus clausus.

2- Manifestámos, há cerca de 8 anos, a nossa total discordância pela medida de eliminação do Internato Geral, considerando que a conclusão do curso de Medicina não conferia capacidade suficiente para o exercício autónomo imediato da profissão.
Nessa altura foi criado o chamado Ano Comum, de 1 ano, com a garantia de que as Faculdades de Medicina iriam uniformizar a sua estrutura curricular do 6º ano numa perspectiva profissionalizante.
Decorridos estes anos, não só essa estrutura ou reforma ainda não foi concretizada como aparecem agora propostas de acabar também com o próprio Ano Comum.
Discordamos, de novo, sejam quais forem os argumentos agora apresentados, da extinção do Ano Comum.

3- O teste do exame de acesso ao Internato há muito que é considerado desajustado de uma efectiva prova desta natureza, mas ainda não foi, até agora, apresentada uma alternativa credível e mais adequada.
Uma das alternativas que tem sido apresentada com insistência é o modelo do “National Board”.
Como todos os modelos, também este tem sido objecto de múltiplas críticas no plano internacional.
Além disso, são conhecidos os seus elevados custos.
Daí, ser necessário clarificar com todo o rigor um novo modelo de teste, definindo, desde logo, quem é a entidade por si responsável, quem paga os seus custos e em que capacidade instalada se baseia.
Consideramos ainda que é absolutamente fundamental a existência de bibliografia, bem como a possibilidade de recurso e de reapreciação da prova.

4- Um aspecto de nuclear importância é a própria definição da natureza do teste, ou seja, se estamos perante um teste de seriação ou de avaliação.
Entendemos que o teste deve continuar a ser de seriação.
As propostas de o transformarem em teste de avaliação merecem a nossa total discordância, bem como as que pretendem que as médias do curso de medicina sejam contabilizadas numa nota global que determine o acesso ao internato da especialidade.

5- Outra questão que tem surgido é a recriação de uma nota mínima eliminatória no teste, chegando algumas propostas à percentagem de 50%.
Estando perante um teste que tem de ser de seriação, porque caso contrário são as próprias faculdades que também serão objecto de avaliação indirecta, não tem qualquer cabimento notas eliminatórias.

6- Os concursos de acesso ao Internato Médico têm de constituir, de uma vez por todas, um exemplo de transparência e objectividade, o que exige, desde logo, a publicação com a antecedência devida do mapa de vagas.

7- Deve ser encarada a eliminação do chamado Concurso B e a existência de um só concurso, mas com a salvaguarda aí expressa da possibilidade de existirem médicos que possam mudar de especialidade e/ou de local de internato.
Simultaneamente, admitimos a discussão de um limite à repetição de provas para mudar de especialidade.

8- As capacidades formativas dos serviços têm de assentar em pressupostos rigorosos e transparentes para não continuarmos a assistir todos os anos a situações de enormes e inexplicáveis disparidades entre números apurados pela Ordem dos Médicos e as vagas que são, na prática, colocadas a concurso.
As capacidades formativas não podem constituir um instrumento de manipulação política para obter resultados intencionais de precariedade e de desemprego à revelia das reais e inadiáveis necessidades assistenciais do país.
Recusamos aceitar uma perspectiva supostamente inevitável da impossibilidade em assegurar o acesso à formação nas especialidades de todos os candidatos aos concursos sem que sejam apresentadas todas as evidências e uma rigorosa fundamentação sobre as reais capacidades formativas.

9- No que se refere ao regime actual da Vagas Preferenciais, importa ter bem presente que ele foi somente regulamentado em 2010, não existindo quaisquer dados da sua experiência prática e não sendo possível, por isso, retirar quaisquer conclusões acerca do (in)sucesso da sua implementação.

10- Reafirmamos a nossa total oposição à criação de médicos indiferenciados sem acesso à formação nas especialidades, dado que o objectivo subjacente a esta medida é a criação de mão-de-obra barata que permita contratos precários a baixo preço para entidades privadas e para os próprios serviços públicos numa perspectiva de colmatar lacunas.
Há que sublinhar que medidas deste tipo contrariam, inclusive, directivas europeias.

11- Finalmente, reforçamos a crucial importância da realização urgente de um estudo sobre as necessidades reais de médicos por área de especialização, assim como das efectivas capacidades formativas por estabelecimento de saúde.
Só deste modo, é possível garantir uma integral transparência e seriedade política em todo o processo da formação médica, cujo objectivo nuclear terá de visar a existência de médicos especialistas de qualidade inquestionável para a prestação de cuidados de saúde acessíveis a todos os cidadãos do nosso país.
Coimbra, 31/3/2012
O Conselho Nacional da FNAM

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