Contra a destruição do Estado Social e dos direitos constitucionais
Face às medidas que têm vindo a ser divulgadas pela comunicação social relativas ao conteúdo da Lei do Orçamento de Estado 2012 e às declarações públicas do Primeiro-Ministro em torno desta matéria, a FNAM vem transmitir as seguintes posições:
1- É claro que existe uma grave crise económica e financeira no plano nacional e internacional que exige medidas inadiáveis.
Mas é imperioso sublinhar que entidades que contribuíram para o inequívoco agravamento desta situação de crise estrutural em virtude de colossais buracos financeiros e de práticas de gestão danosa continuem impunes e sem qualquer responsabilização efectiva.
Só aqueles que vivem do seu trabalho e que pagam os seus impostos estão a ser vítimas de um processo violento de liquidação das suas condições de vida mais elementares e dos seus direitos sociais e laborais que significam um profundo retrocesso social e civilizacional de muitas e muitas décadas.
2- As medidas que estão a ser tomadas pelo Governo excedem largamente as imposições da chamada Troika.
Aquilo que começa a tornar-se cada vez mais claro é que a crise está a servir de pretexto ao Governo para proceder à liquidação dos direitos sociais e laborais e tornar o nosso país um exemplo dramático de escravização do trabalho.
A pobreza alarga-se, de forma assustadora, a sectores sociais nunca antes atingidos por ela e ameaça criar rupturas sociais de consequências imprevisíveis.
3- A nível específico da Saúde, o anúncio de medidas como a abolição dos limites legais do número de horas extraordinárias efectuadas nos serviços de urgência constitui uma enorme irresponsabilidade e uma atitude de claro desprezo pelo valor da vida humana.
Está hoje sobejamente demonstrado por múltiplos estudos científicos internacionais que o excesso de horas de trabalho a nível dos médicos é directamente proporcional ao aumento do número de erros que podem custar a perda de vidas humanas.
Simultaneamente, esses limites do número de horas estão salvaguardados em sede de contratação colectiva, o que torna insusceptível a sua eliminação unilateral por parte de qualquer governo.
A medida igualmente anunciada de proceder ao pagamento dessas horas extraordinárias por metade do seu valor actual representa uma afronta à penosidade deste tipo de trabalho.
O recurso às horas extraordinárias tem sido um imperativo incontornável para garantir o funcionamento de serviços tão sensíveis para as populações como são os serviços de urgência, devido à carência de efectivos médicos.
Não existem quaisquer dúvidas que sem o recurso a estas horas a maioria das urgências hospitalares já teria encerrado.
Acresce referir que as modalidades de pagamento deste tipo de trabalho também estão consagradas a nível da contratação colectiva.
4- Proceder à liquidação dos subsídios de férias e de Natal para todos os trabalhadores do sector público irá representar um brutal agravamento do poder de compra de várias centenas de milhares de portugueses e respectivas famílias, numa medida que não contribuirá, pelo contrário, para a tão necessária retoma da economia.
Com o poder de compra altamente debilitado não há qualquer possibilidade de proceder à recuperação da economia e à superação da crise em que nos encontramos.
Estamos, pois, numa situação em que o cenário em desenvolvimento pelo Governo é de proceder à liquidação dos serviços públicos em geral, com particular prioridade em relação aos de índole social mais marcada como é o caso da saúde.
Neste contexto de extrema gravidade política e social, onde a prática governamental revela uma profunda aversão às políticas sociais e uma perspectiva que roça já o terrorismo social, a FNAM reafirma a sua firme determinação em desenvolver todas as iniciativas legais e reivindicativas para combater as medidas governamentais e assegurar a defesa intransigente dos legítimos direitos laborais dos médicos e do direito constitucional à saúde corporizado pelo Serviço Nacional de Saúde.
Lisboa, 14/10/2011
A Comissão Executiva da FNAM
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Comentário: Todos o governos, desde o do segundo mandato de Cavaco Silva, como primeiro-ministro, dificultaram, por opções economicistas, o acesso de médicos ao Serviço Nacional de Saúde, com o argumento, nunca assumido, de que quantos mais médicos entrassem para o sistema, maior seria a despesa a suportar pelo Orçamento de Estado, não só através da rubrica dos salários, mas também pelo aumento de gastos induzido pela prescrição de medicamentos e de meios auxiliares de diagnóstico. Com esta política nociva, ao nível dos hospitais e dos centros de saúde, começou a criar-se um hiato geracional, prejudicial para a eficiência dos serviços, além de, por outro lado, ter sido interrompido o ciclo contínuo da transmissão de saberes e de experiências institucionais para os médicos mais novos. Em alternativa, e numa visão de curto prazo, os governos optaram pelo recurso ao trabalho extraordinário nos serviços de urgência, e, mais recentemente, para colmatar falhas nos serviços de internamento, deitaram mão ao aluguer de médicos às empresas de trabalho temporário, com um preço/hora mais elevado, e que normalmente revelavam grandes dificuldades de integração no contexto e nas dinâmicas das equipas, onde eram colocados. Ao nível económico, os resultados foram desastrosos. Gastou-se mais dinheiro e prejudicou-se a qualidade dos serviços prestados. É que sem ovos não se fazem omoletes.
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