A greve geral
Escrevo quinta-feira, 27, no próprio dia da
greve, esta coluna que só vai ser lida amanhã. De qualquer maneira, arrisco uma
previsão: mesmo correndo o melhor possível para a CGTP e a UGT, a greve não irá
mudar nada: nem a permanência ou as políticas do Governo, nem a atmosfera da
vida pública portuguesa, excepto se provocar uma explosão de violência em
Portugal inteiro (caso pouco provável, pelo menos para a polícia). Por que
razão, ou razões, não acredito na eficácia deste protesto, teoricamente
ameaçador e forte? Em primeiro lugar, porque nenhuma greve geral na velha
Europa como na Europa de Bruxelas jamais conseguiu mudar fosse o que fosse, até
no tempo em que a militância ideológica e partidária era muito mais corrosiva e
extensa. De resto, Passos Coelho já suportou três greves gerais, com incómodo,
com certeza, mas tranquilamente.
Vasco Pulido Valente
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Vasco Pulido Valente (VPV) gosta de dizer
coisas. Costuma alinhar pelo nonsense,
aquele conjunto de ideias feitas por uma opinião pública pouco esclarecida, que
se fica pelo trivial, sem conseguir interpretar racionalmente o fundamental.
Com este recurso, VPV julga-se original nas suas análises políticas. Começou a
ser assim, quando percebeu, logo a seguir ao 25 de Abril, que as massas
populares que enchiam as praças e as ruas, nos comícios e nas manifestações,
não o reconheciam como o autor de textos revolucionários que escrevera na fase
final da ditadura fascista. Tornou-se no comentarista mais azedo dos tempos do
PREC. E essa marca pessoal nunca mais a abandonou.
Este seu texto sobre a inutilidade das greves e
das manifestações de protesto (os seus efeitos, logo no dia seguinte) é mais um
exemplo do seu primarismo discursivo, que pretende ser arrasador.
Nunca as greves e as manifestações tiveram
efeitos no curto-prazo, a não ser aqueles efeitos de contágio, quando os seus
objetivos são justos e compreendidos e sentidos pelas pessoas. Aquele adágio “água
mole em pedra dura tanto dá até que fura” aplica-se perfeitamente aos efeitos
de longo prazo das greves e das manifestações. Tal como um rio, da sua nascente
até à foz, também as manifestações populares, principalmente em tempos de
crise, vão engrossando no seu percurso temporal, devido aos afluentes que vai recebendo,
e as suas águas revoltas vão deixando atrás de si um relevo desgastado pela
erosão.
Uma manifestação de protesto isolada, só por si,
não resolverá nem modificará nada. O mesmo não se passa com um ciclo de
manifestações contínuas, devidamente planeadas por uma organização
centralizada, que as programe e as submeta a uma estratégia bem definida, num
quadro de agravamento crescente das condições sociais e económicas das
populações afetadas.
Por outro lado, é necessário considerar que o
sucesso imediato destes eventos, medido em termos de participação popular,
depende do sucesso alcançado pelos eventos anteriores. Por isso, a persistência
militante das vanguardas é tão importante, no seu esforço de ir capitalizando
os resultados, progressivamente alcançados.
A Greve
Geral de 27 de Junho foi um êxito, porque todas as manifestações anteriores,
organizadas pela CGTP – Intersindical Nacional obedeceram a estes princípios
basilares. Não há milagres na luta dos povos e dos trabalhadores. É preciso
muito trabalho de organização e de mobilização, sendo muito desse trabalho invisível
para a maioria e, pelos vistos, também para VPV.
Perante a atual crise governativa, desencadeada
pelo pedido de demissão do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, os comentadores
encartados, às dezenas, apenas se detiveram na análise da narrativa dos agentes
políticos mediáticos e das suas tricas, esquecendo-se de incluir o seu aspeto mais importante e decisivo, e que constitui a sua causa remota e fundamental: a perda progressiva e irreversível da base
social de apoio do governo, que a Greve Geral e as manifestações anteriores
desgastaram lentamente. E Vítor Gaspar, Passos Coelho e Paulo Portas perceberam
isso. E até perceberam mais, que VPV e muitos outros comentadores não
perceberam. Perceberam que, por cada manifestante ou por cada grevista, existem
mais de mil que não puderam, por várias razões, participar.
O rio do descontentamento já vai caudaloso e
ameaça galgar as margens, embora ninguém possa dizer quanto tempo falta para ele chegar
à foz.