O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, apelou
hoje a um acordo e convergência de objetivos com o PS, para além da atual
legislatura, que termina em 2015, de modo a conseguir um clima de união
nacional.
"Desde que tenhamos os pés assentes na
terra e sejamos realistas - quer dizer, não comecemos a estabelecer objetivos
que estão manifestamente para além daquilo que as condições nos permitem -,
então é possível vencer e ultrapassar obstáculos e conseguir um clima de união
nacional, não é de unidade nacional, é de união nacional, que permita essa
convergência", disse Passos Coelho, discursando em Pombal na sessão solene
de abertura das Festas do Bodo.
O primeiro-ministro sublinhou que o atual quadro
fiscal, que classificou de "adverso às empresas", necessita de ser
melhorado.
"Mas não conseguimos fazer isso de um ano
para o outro, não é possível. Não poderíamos agravar ainda mais o IRS para
compensar alguma perda de rendimento que resultaria dos impostos para as
empresas", sustentou.
Diário de Notícias
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A expressão “união nacional”, utilizada pelo
primeiro-ministro, Passos Coelho,
remete-nos para um negro passado longínquo, do qual a minha geração se
recorda amargamente.
Talvez Passos Coelho, de tanto falar de “pés
assentes na terra”, acabe por se enterrar até ao pescoço.
Mas analisemos detalhadamente as palavras de
Passos Coelho, proferidas durante a sua visita à vila do Pombal, em que, pela
primeira vez, a nova estratégia do governo, presumivelmente desenhada pelo
ministro Maduro, aparece bem explicitada.
Para aumentar a credibilidade do governo, agora
recauchutado, que ficou de rastos com a crise provocada pelas demissões de
Vítor Gaspar e de Paulo Portas - o primeiro a deixar uma carta demolidora, com
frases assassinas, e o segundo a dar um novo significado à palavra
“irrevogável”- e, também, para tentar minimizar os futuros custos eleitorais,
quer nas eleições autárquicas, quer nas próximas eleições legislativas, Passos
Coelho necessita de encostar à parede o Partido Socialista. Se, até aqui,
Passos Coelho optou por uma estratégia de violento confronto verbal com o seu
opositor, tentando culpá-lo de todos os males do país (esqueceu-se das culpas
do PSD, que ainda são maiores), agora está a ensaiar um aggiornamento, já tentado sem sucesso por Cavaco Silva, insistindo no
convite de querer envolver e comprometer o PS num acordo global de governação,
que permita ao governo prosseguir na tal Reforma do Estado, que mais não é do
que uma dissimulada intenção de desmantelamento do Estado Social, que já está
em marcha, e também conseguir um consenso para o corte dos tais 4,7 milhões de
euros no Orçamento de Estado. Como chamariz, Passos Coelho acrescentou agora
outro dossiê, o da redução do IRC para as empresas.
Temos de concordar que a estratégia é brilhante,
pois seja qual for a atitude a tomar pelo PS, Passos Coelho recolherá
benefícios, embora não tantos como desejaria, o que quer dizer que o PS ficará
entalado. Se aceitar o canto de sereia de Passos Coelho, o PS passa a ser parte
da solução (falsa e enganadora), mas também passará a ser parte do problema.
Deixará de poder fazer uma oposição incisiva e contundente ao governo, tal como
tem feito até ao momento, embora com objetivos eleitoralistas. Se resistir à
armadilha, habilmente montada, poderá ser sempre atacado por Passos Coelho, com
a acusação de que o PS não quer contribuir para uma política de salvação
nacional, agora rebatizada de política de “união nacional”.
É evidente que os partidos de esquerda, os
sindicatos e os movimentos de protesto independentes não ficar paralisados e
apáticos, à espera do desenlace deste namoro romântico entre os dois partidos
que, com as suas políticas erráticas, conduziram o país a uma das maiores
crises políticas, económicas e sociais da da sua História.
As próximas eleições autárquicas são uma
excelente oportunidade para exibir um cartão vermelho a este governo de direita
e de condenar a ambiguidade do PS em relação à sua posição quanto ao memorando da troika, que assinou, se a
CDU vier a receber os votos de todos os eleitores que estão descontentes com as
sucessivas políticas de austeridade, que vão continuar a ser implementadas, por outra vias e processos. À esquerda do PS,
não há outra alternativa eleitoral, que não seja a da CDU. A abstenção apenas
servirá para reforçar o poder do atual governo, já que não entra na ponderação
do método da distribuição de mandatos, com muita pena minha.