A contestação ao ministro da Defesa sobe de tom. A Associação dos Oficiais das Forças Armadas distribuiu aos seus membros uma carta aberta em que ataca Aguiar-Branco. Leia na íntegra:
Diário de Notícias
http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=2291370&page=1
CARTA ABERTA A SUA EXª O MINISTRO DA DEFESA NACIONAL
Entendeu Sua Ex.ª o Sr. Ministro da Defesa Nacional (MDN), em almoço/debate promovido pela Revista Segurança e Defesa, fazer afirmações que, consideramos, desprestigiam os militares e a própria Instituição Militar.
Entretanto, em troca de impressões com vários oficiais dos três Ramos das Forças Armadas, constatei que existe um sentimento generalizado de desagrado pelo teor das afirmações proferidas por Sua Ex.ª, razão que levou a que fosse incumbido de lhe dirigir esta carta aberta.
As Forças Armadas são insustentáveis, Sr. MDN?
Não são! Estão!
Porque entre respeitar os militares e a Instituição que se honram de servir ou dar continuidade a muitas desconsiderações que os seus antecessores cometeram, o Sr. Ministro escolheu trilhar o mesmo caminho destes, como repetidamente temos vindo a afirmar:
1. Em manifesta e aberta desconsideração pela condição de quem é militar, deu-se seguimento ao congelamento das promoções, situação que, conjugada com a redução de efectivos e a persistente suborçamentação, desde logo considerámos constituírem ingredientes propositadamente aplicados e que objectivamente contribuem para a descaracterização e desarticulação das Forças Armadas.
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
2. Em nome da convergência com os restantes subsistemas de saúde públicos foi materializado um dos maiores atentados à condição militar, em resultado da qual os militares viram significativamente agravadas as condições sanitárias (comparticipações, desconto obrigatório de 1,5%, pagamento de taxas moderadoras pelos familiares, extensão aos reformados das regras aplicadas aos restantes militares, nomeadamente no que respeita às comparticipações, com as gravosas consequências que daí advêm para inúmeros camaradas a braços com um estado de saúde mais e mais exigente em matéria de gastos na farmácia, frequentemente, para os ex-combatentes, devido a sequelas da Guerra, etc.).
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
3. Como se tal não bastasse, o OE2012 prevê uma redução de 30% nas verbas para a saúde no corrente ano, sabendo-se que está prevista a redução de mais 20% em 2013 e outras reduções até 2016, visando o autofinanciamento do subsistema de saúde militar, numa postura de manifesto desrespeito pela Lei de Bases Gerais da Condição Militar (Lei nº 11/89, de 01 de Junho).
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável.
4. As Forças Armadas aproximam-se da paralisia por falta de recursos que lhes permitam suportar as despesas de funcionamento e de manutenção. O nível de instrução está abaixo do que é minimamente exigível por iguais motivos.
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
5. A óbvia desmotivação, insegurança e falta de confiança reinantes entre os militares, constituem claros sinais, cuja natureza deveria ser motivo de preocupação de qualquer responsável pela Defesa Nacional, mas que o Sr. Ministro parece não levar em conta.
Isto, sim, Sr. Ministro, é insustentável!
6. Mais do que qualquer outra Instituição, as Forças Armadas são aquela que maior número de reestruturações sofreu desde 1974, a última das quais se verificou em 2009. Sem que, de uma vez por todas, o poder político decida e defina qual deverá ser a estrutura que permita às Forças Armadas exercer capazmente a sua competência constitucional de defesa militar da República.
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
7. Depois da redução das remunerações em 2011, da aplicação de uma taxa extraordinária ainda em 2011, dos cortes nos subsídios de férias e Natal em 2012 e 2013, dois anos passados sobre a transição para a Tabela Remuneratória Única, entendeu o Sr. Ministro penalizar ainda mais a remuneração de cerca de 4.000 militares, numa lógica que mais se assemelha a punição colectiva.
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
8. Afirmar que os militares não são funcionários públicos (pelos quais nutrimos, aliás, o maior respeito), e tecer-lhes outros encómios mas, na prática, reduzir gradualmente a condição militar em termos de direitos e regalias, equiparando-os, deste modo, ao funcionalismo público em geral, continuando contudo a sujeitá-los à totalidade de especiais deveres (incluindo a permanente disponibilidade para o serviço e o sacrifício da própria vida), sem que existam contrapartidas morais e materiais adequadamente justas, consubstancia uma atitude muito pouco séria.
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
9. Entendeu o Sr. Ministro discorrer acerca das Associações Profissionais de Militares (APM), com uma insanável contradição subjacente ao que disse: se, por um lado, reconhece existirem razões de descontentamento entre os militares, depois, quando as APM, que, procuram, como V. Exa. sabe, privilegiar o diálogo e exercer as competências estabelecidas na Lei Orgânica nº 3/2001, de 29 de Agosto, tentando contribuir para as necessárias soluções, vêem o Sr. Ministro ignorar esse quadro legal.
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
10. Confrontados com tudo o que lhes vai acontecendo, os militares, por se fecharem as portas do diálogo e da concertação, utilizam, com toda a dignidade, os seus direitos, nomeadamente os de reunião e manifestação constantes na Lei da Defesa Nacional, para darem pública conta dos problemas com que são confrontados.
As APM deveriam ser auscultadas ou envolvidas em matérias do seu âmbito, situação que não acontece porque o Sr. Ministro não cumpre a referida Lei.
Isto sim, Sr. Ministro, é insustentável!
Importa, no entanto, sermos claros Sr. Ministro. A Associação de Oficiais das Forças Armadas, se e quando auscultada ou envolvida em matérias do seu âmbito, situação que não acontece simplesmente porque não é atendido o quadro legal que obriga o Sr. Ministro a fazê-lo, dará nota das suas posições de modo frontal e com toda a lealdade. No entanto, só concordará com aquilo que merecer a sua concordância e nunca com medidas que ponham em causa o sentir profundo dos oficiais, contrariamente ao que parece ser o desejo do Sr. Ministro.
11. E diz mais, o Sr. Ministro; que as APM"s fazem política, até partidária.
Como assim, Sr. Ministro?
Denunciar perante a opinião pública as medidas lesivas e, consideramos nós, carregadas de falta de respeito pela dignidade de quem jurou e serve abnegadamente (sem se servir) a Pátria, é fazer política?
12. Porque, na realidade, sendo verdade que os militares estão sujeitos a severos deveres e restrições de vária ordem, nada os obriga a serem submissos, acomodados (pelos vistos, daria jeito ao poder político que assim fosse), ignorantes e apolíticos, alheados do que vai acontecendo no País e, concretamente, com o que de uma forma mais directa interfere com a sua condição militar e com as Forças Armadas.
13. Tudo nos leva a crer que o Sr. Ministro anda mal informado, pois senão saberia das conversas que correm em Messes, nos corredores das U/E/O e na NET, sobre as situações que ocorrem e que provocam a indignação da maioria dos oficiais. Conversas que têm como tema, não só as notícias que surgem nos órgãos de comunicação social, como, até, as situações descritas no livro "Como o Estado gasta o nosso dinheiro", cujo autor, o Juiz Jubilado do Tribunal de Contas, Carlos Moreno, o ofereceu à AOFA com uma amável dedicatória, onde constam palavras como "respeito", "consideração" e "estima".
14. Será, portanto, política alertar para situações de que poderão decorrer a penalização dos militares e das Forças Armadas, dando a conhecer, a título de exemplo, a forma como, nessas conversas, os oficiais vêem o modo como tem vindo a ser tratado o "dossier" BPN, obrigando uma significativa parcela do orçamento a ser desviada para dar cobertura, tudo leva a crer, às consequências de criminosos desmandos?
Será que é política ter consciência, formada nessas conversas dos oficiais (neste caso, graças aos dados insuspeitos trazidos para a opinião pública pelo analista económico Gomes Ferreira, no dia 24 de Janeiro passado, no programa da SIC Notícias iniciado às 22H00) de que o "dossier" das PPP"s, com as astronómicas verbas envolvidas, deveria constituir-se como primeira prioridade, de modo a fazer reverter para o interesse de todos, as milionárias verbas de que alguns beneficiaram a coberto de leoninos contratos celebrados?
A rápida eliminação destas situações, permitiria, por exemplo, entre outras, criar condições para evitar onerar da forma como o estão a ser, os militares e as Forças Armadas.
Não consideramos política e, muito menos, política partidária, tal postura.
Trata-se, isso sim, do uso de um direito que a própria cidadania impõe.
15. "...se algum destes homens não sente a vocação, está no sítio errado"; "... Se algum destes homens não sente a vocação, antes de protestos, manifestações ou conferências de imprensa, precisa de mudar de carreira", disse o Sr. Ministro.
Sr. Ministro: nunca lhe ocorreu que falava de gente honrada, de cidadãos que, sendo militares, aprenderam a amar a sua Pátria, muitos deles louvados e condecorados pela forma exemplar como vêm cumprindo ou cumpriram o seu Juramento de Honra?
Sr. Ministro: nunca lhe ocorreu que, nessa condição, é legítimo pronunciarem-se (acerca das questões que, em seu entender e no quadro que a Lei lhes permite), sobre matérias que consideram colocar em causa um dos principais pilares do que sobra da Soberania desta nossa Terra?
16. O Sr. Ministro, bem poderia, ponderando de outra forma o pensamento, ter evitado pronunciar o que pronunciou, respeitando quem o merece, porque, ao contrário de outros que se servem da coisa pública e dos cargos que ocupam, para vultuosos proveitos privados, os militares são cidadãos de uniforme, investidos da responsabilidade maior de defender a sua Pátria, se necessário com o sacrifício da própria vida, e que, por esse e outros motivos que a sua condição lhes impõe, consideram consubstanciar uma falta de consideração a forma e os termos como se lhes dirigiu.
17. Parafraseando Martin Luter King, um cidadão do mundo atento às injustiças a que assistia, "O que mais preocupa, não é o jeito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem ética. O que mais preocupa, é o silêncio dos bons!"
Sem qualquer presunção, procuramos fazer parte do grupo daqueles para quem o silêncio, a passividade e o conformismo não são modos de estar na vida, seja na condição de cidadãos e, por maioria de razão, como militares que somos, na forma e com a alma, e esta, Sr. Ministro, não há vocação, como a entende, que a substitua!
18. Bem gostaríamos que o Sr. Ministro olhasse de outro modo para o que vai acontecendo aos militares e à Instituição Militar.
Pode crer, Sr. Ministro: os militares compreendem como ninguém o sentido de reformas, desde que colocadas ao serviço da Nação a que pertencem e cuja perenidade se deve à forma como se bateram ao longo dos séculos e não merecem, longe disso, as palavras que proferiu.
Face ao que precede, pela acção, mas fundamentalmente pela inacção relativamente ao que vai acontecendo aos militares e à Instituição Militar, mas também dando voz ao descontentamento de muitos que se sentiram humilhados com as palavras proferidas, nos termos em que o fez, entendemos que o cargo de que V. Ex.ª , Sr. Ministro, é responsável, bem mereceria outra clarividência ao serviço de uma causa maior: a da Pátria a que pertencemos.
Tudo isto, Sr. Ministro, é insustentável!
7 de Fevereiro de 2012
Assinatura
Manuel Martins Pereira Cracel
Coronel
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O 25 de Abril começou por uma reivindicação corporativa dos militares e acabou numa revolução triunfante, que encheu as praças e as ruas das cidades do país. Historicamente, as Forças Armadas sempre reagiram naquelas situações de crise profunda, quando os políticos, enredados nas suas contradições, não conseguiram acertar com o rumo certo. Atualmente, Portugal vive uma crise económica e financeira que ameaça eternizar-se, o que, além de poder provocar um verdadeiro terramoto social, irá colocar em perigo a sua independência. Qualquer observador atento da realidade portuguesa poderá, justamente, interrogar-se se os partidos, que subscreveram o documento da troika e que aceitaram aplicar, com toda a brutalidade, uma irracional política de austeridade, estão ao serviço do bem comum do povo português ou ao serviço dos interesses do grande capital financeiro, o nacional e o internacional. É uma realidade que a política económica do país já está a ser imposta do exterior. Até a senhora Merkel já se preocupa com o buraco financeiro da Madeira, e nada nos garante que, no futuro próximo, não comece também a transmitir instruções, como já fez em relação à Grécia, quando, confrontada com a ideia de um referendo popular e democrático, provocou a demissão de um primeiro-ministro e a mudança de todas as altas chefias militares.
Espero que a senhora Merkel não chegue a ler esta carta aberta do dirigente da Associação dos Oficiais das Forças Armadas.