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sábado, 24 de abril de 2010

Notas do meu rodapé: A montanha pariu um rato

Grandes grupos económicos vão ficar isentos das mais-valias
O diploma aprovado ontem em Conselho de Ministros
agrava a tributação das mais-valias mobiliárias,
mas mantém as actuais isenções aos contribuintes
não-residentes em Portugal e das cúpulas dos
grupos económicos, por onde passa parte significativa
desses rendimentos.
PÚBLICO
***
Esta medida, a tributação em sede do IRS das mais-valias mobiliárias, acaba por ter pouco impacto no desejado aumento da arrecadação de receitas fiscais e é aquela que melhor desmascara a natureza de classe do Partido Socialista e do actual regime político, em tudo idêntico ao que vigora nos países ocidentais (as eleições apenas servem para legitimar o partido que, em cada momento, melhor defende os interesses do capital financeiro).
Ao abdicar da tributação das mais-valias das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), o Estado renuncia à cobrança de biliões de euros, anualmente, pois é nessas instituições financeiras, que sempre beneficiaram de um escandaloso regime fiscal favorável, que se alojam as grandes fortunas, assim como, através de mecanismos tortuosos, e envolvendo os off shores, os lucros dos grandes accionistas da banca e das grandes empresas, lucros estes que passam totalmente à margem (é essa a intenção de quem legislou nesse sentido) do fisco e da opinião pública. E essas fortunas e esses lucros não cabem na nossa imaginação. Se fizermos um pequeno exercício mental, talvez possamos aproximar-nos tendencialmente da ordem de grandeza desses valores. Basta pensarmos nos valores dos prémios dos gestores de topo, principalmente os daquelas grandes empresas nacionais, que foram alienadas pelo Estado aos agentes privados, e que, para tal, pediram empréstimos à estatizada CGD, com juros irrisórios (lembram-se da saga de Manuel Fino?). Se um gestor recebe milhões de euros de prémio de desempenho, é porque os grandes accionistas recebem individualmente biliões de euros.
As SGPS funcionam como autênticos paraísos fiscais. Isentas de pagar mais-valias, a lei obriga, no entanto, à cobrança de IRS sobre os dividendos recebidos, o que raramente acontece, optando-se, para contornar esta imposição fiscal, pela conversão desses dividendos em novas acções dessas sociedades, transacções estas que estão isentas de imposto. Mas quando se opta pela distribuição de dividendos, os titulares das acções em SGPS, ou não os declaram simplesmente ou, se os declaram, optam, em sede do IRS, pela tributação à taxa liberatória de 20%, uma taxa muito inferior à que seria devida se os valores daqueles dividendos fossem englobados nos outros rendimentos, de escalão mais elevado. Por aqui se vê que a introdução das taxas liberatórias, que incidem sobre as obrigações e sobre os juros dos depósitos, servem essencialmente para aliviar a carga fiscal dos maiores rendimentos.
Para distrair os portugueses, a fim de eles não se aperceberem desta realidade, que aqui traçámos, o governo ensaiou uma manobra para servir de pasto à comunicação social, iniciando uma guerra jurídica com os pequenos e médios investidores da bolsa, propondo a tributação retroactiva sobre as mais valias obtidas desde 1 de Janeiro deste ano, o que é ilegal no ponto de vista fiscal. Essa guerra tem por objectivo fazer passar a mensagem para a opinião pública de que o governo está a lutar contra os grandes interesses instalados dos "odiosos" capitalistas, o que não é verdade. Verdade é a intenção de fazer incidir todos os sacrifícios, para recuperar o défice, sobre os rendimentos do trabalho (o único rendimento da esmagadora maioria da população), poupando as grandes fortunas e os rendimentos do capital.
Nos próximos tempos, e partindo do pressuposto de que estes complexos mecanismos não são compreendidos pelo eleitorado, que vota sempre em quem lhe fala mais ao coração, iremos ver José Sócrates, o primeiro-ministro mais demagogo e mais manipulador da nossa história política, a bradar aos quatros ventos que o seu governo teve a coragem de enfrentar os mais ricos e os mais poderosos, obrigando-os a pagar impostos.

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