Fotografia - Autor não identificado |
« Visita em sombra »
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A
minha mãe
folheei-a
à noite.
Colheu-me
de revés
num
assalto à paz.
(nunca
a vi)
Bateu-me
à porta,
em
criança,
de
facto .
Com
o pescoço
ao
lado do meu pai
pintou
o meu rosto
com
palavras exasperadas.
(e
os meus seios estavam a crescer
numa
dor
nos
bicos da alma… )
À
noite,
às
doze em ponto ,
furei
o tapume
com
saltos.
Meti-me
a verter piedade
pelos
cantitos
dos
olhos.
Copulei
as risadas doidas
a
chapinhar
nos
bibes.
Olhei
de folga
por
todos os domingos.
Toquei
as arestas vivas
das
bonecas degoladas.
Remeti
todos os serviços
p’ras
escolas
fu-
ne-
rárias.
Crucifiquei
as chávenas
Todas
ao
pequeno-almoço.
No
último exame de Ontem
incendiei-
a
viva
num
grande Campanário!,
══
MARIA AZENHA
(Poeta
portuguesa, n. 1945)
in
“P.I.M.”, Universitária Editora,Lda, Lisboa, 1999
***«»***
Nota: Uma dança onírica de
metáforas, a saltarem em cascata no poema, incendiado-nos a imaginação até ao
arrasador climax poético “(e os meus seios estavam a crescer/numa dor/nos bicos
da alma…)”. E, no final, aparece o fogo purificador, para acalmar a consciência,
depois daquele vendaval destruidor, que não poupou as chávenas nem as escolas
funerárias.
AC
A "poeta" maria
azenha colabora regularmente no Alpendre da Lua.
1 comentário:
que maravilha! saudades da Maria!
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