Muitos de nós conhecem os métodos através dos
quais os políticos e os seus assessores de imprensa influenciam a opinião
pública. Digamos que isso já é um dado adquirido nas chamadas democracias
ocidentais e, por isso, por vezes somos céticos em aceitar propostas políticas,
que tantas vezes são criadas artificialmente nos gabinetes das empresas de
assessoria.
Ora essas “tecnologias” parecem brincadeiras de
crianças comparadas com uma relativamente recente (desenvolvida nos anos 90)
que tem por objetivo tornar aceitável na sociedade algo que, antes, era
totalmente inaceitável e intolerável.
Trata-se da Janela de Overton, um modelo de
engenharia social criado por Joseph P. Overton (1960–2003), ex-vice-presidente
de um think tank norte-americano chamado Mackinac Center for Public
Policy (Centro Mackinac para Políticas Públicas).
Overton criou um modelo para demonstrar como um
pequeno grupo de pensadores, (think tank) pode mudar de forma intencional e
gradual a opinião pública. A Janela de Overton é o conjunto de ideias
"aceitáveis" num dado momento na sociedade.
A gradação das opiniões da sociedade em relação
a determinado tema vão desde:
Intolerável (impensável);
Radical;
Aceitável;
Sensato;
Consensual;
Consagrado em políticas públicas.
Esta gradação corresponde a uma outra: proibido,
proibido com ressalvas, neutro, permitido com ressalvas, permitido livremente.
Os think tanks constituem conjuntos de pessoas
que produzem e divulgam opiniões fora da Janela de Overton com a intenção de
tornar a sociedade mais recetiva a tais ideias e políticas públicas.
Quando esse grupo de fazedores de opinião quer
promover uma ideia que está fora do que a opinião pública considera razoável,
ou seja, que a sociedade não aceita, ele pode adotar uma série de procedimentos
graduais que farão as pessoas mudar completamente de ideias em pouco tempo.
Assim, através da sua ação na mídia, vai-se
introduzindo no discurso público ideias a princípio consideradas inaceitáveis,
radicais, impossíveis de implementar, mas que, com a sua exposição ao público,
passam de inaceitáveis a toleráveis e, posteriormente – na última fase – são
consagradas na legislação.
Aplicando o modelo à vida política, constata-se
que numa sociedade existe um conjunto de temas políticos que não causam
polémica, ou seja, de entre todas as políticas públicas possíveis, há um
conjunto delas que é aceite pela maioria da população sem que haja grandes
debates. Esta é a Janela de Overton.
Como já dissemos, a posição da janela não é
imutável, sendo que ela pode ser manipulada para introduzir novos temas ou
mesmo excluir temas que já foram aceitáveis. Os políticos que desejem ter mais hipóteses
de ser eleitos apenas devem assumir posições políticas que se encaixem dentro
da Janela de Overton.
Para entender como a opinião pública pode ser
mudada gradualmente costuma-se usar o exemplo do casamento gay (e também da
eutanásia infantil). Durante anos, a Janela de Overton esteve na área do
proibido, a sociedade não podia aceitar a ideia do casamento entre pessoas do
mesmo sexo. Com a constante exposição dos argumentos pró-gay na mídia, a janela
foi-se deslocando para proibido com ressalvas, depois para neutro, até chegar
onde está hoje: permitido com ressalvas. Em breve será permitido livremente.
Para que haja o deslocamento da Janela de Overton para posições que sejam de
interesse de determinados grupos é aplicado um esforço altamente profissional,
que faz parte do que se convencionou chamar de engenharia social. Este esforço
é assegurado por um enorme número de especialistas em opinião pública:
técnicos, cientistas, assessores de imprensa, relações públicas, institutos de
pesquisa, celebridades, professores, jornalistas, etc.
Muito curioso é o fato de tais temas (casamento
gay, eutanásia) já não nos causarem estranheza. Como se viu, eles já passaram
por todo o processo de conversão de “inaceitável” em “consagração na
legislação”.
Mas um conhecido cineasta russo, Nikita
Mikhalkov, no seu vídeo-blog Besogon.TV, propõe-nos, para compreender melhor
este processo, um tema que ainda é intolerável na sociedade: o canibalismo.
Creio que o fato de ter escolhido uma prática
que hoje é totalmente proibida e inaceitável facilita a nossa compreensão de
como as coisas se processam ou poderão processar. Há ainda outros temas que
hoje a sociedade não tolera mas que pode vir a tolerar, como a eutanásia
infantil ou o incesto.
Segundo ele, o deslocamento da Janela de Overton
no que toca ao canibalismo poderá passar pelas seguintes etapas:
Etapa 0 – É o estado atual, o tema é inaceitável, não se discute na imprensa ou em geral entre as pessoas.
Etapa 1 – O tema passa de “completamente
inaceitável” para apenas “radical”. Alegando que deve haver liberdade de
expressão e que não deve haver tabus, o tema começa timidamente a ser discutido
em pequenas conferências, onde se obtém uma declaração de um cientista
respeitável, promove-se o debate “científico”. É criada, digamos, uma
Associação de Canibais Radicais, que passa a ser citada na mídia. Aqui o tema
deixa de ser tabu, é introduzido no chamado espaço informativo.
Etapa 2 – O tema do canibalismo passa de
“radical” para a área do “possível”. Os cientistas continuam a ser citados, é
criado um nome elegante: já não há canibalismo mas sim, por exemplo,
“antropofagia”. Posteriormente este termo passa também a ser considerado
ofensivo e a prática começa a ser designada, suponhamos, por “antropofilia”. O
objetivo é desligar a forma da designação do seu conteúdo. Paralelamente é
criado um precedente histórico de apoio. Pode ser um fato mitológico, um fato
atual ou apenas inventado mas, o mais importante, é que contribua para
legitimar a prática. O principal objetivo desta etapa é retirar parcialmente a
“antropofagia” da ilegalidade, nem que seja num único momento histórico.
Etapa 3 – Passa-se da fase do “possível” para a
fase do “racional” ou “neutro”. São apresentados argumentos como “necessidade
biológica”. Afirma-se que o desejo de comer carne humana pode ser genético,
“próprio da natureza humana”. Em caso de fome grave, de “circunstâncias
insuperáveis”, uma pessoa livre deve ter o direito de fazer escolhas. Não se
deve esconder a informação para que todos possam assumir que são “antropófilos”
ou “antropofóbicos”.
Etapa 4 – Na opinião pública é criada uma
polémica artificial sobre o tema. A sua popularização apoia-se não só em
personagens históricas ou mitológicas mas também em figuras mediáticas atuais.
A antropofilia começa a entrar massivamente nas notícias, nos talk-shows, no
cinema, na música pop, nos videoclips. Um dos métodos da popularização é o
chamado “olhe à sua volta”. Por acaso você não sabe que um conhecido compositor
é antropófilo?
Etapa 5 – Nesta etapa o tema é lançado no
top da atualidade: começa a reproduzir-se automaticamente na imprensa, no show
business e… na política. Nesta etapa, para justificar os adeptos da
legalização, é utilizada a “humanização” dos adeptos, (“são pessoas criativas”,
“os antropófilos são vítimas da educação que tiveram”, “quem somos nós para os
julgar?”
Etapa 6 – Nesta fase, a prática passa de
“tema popular” para o plano da “política atual”. Começa a ser preparada a base
legislativa, aparecem grupos de lobby, publicam-se pesquisas sociológicas que
apoiam os adeptos da legalização. Introduz-se um novo dogma – não se deve
proibir a “antropofagia”. Aprovada a lei, o tema chega às escolas e jardins de
infância e, consequentemente, a nova geração já não conhece como poderá pensar
de forma diferente.
Como disse acima, este exemplo sugerido pelo cineasta Nikita Mikhalkov não deixa de ser hipotético.
No entanto, não teria sido assim que todas as
“novas práticas”, impensáveis há poucas décadas, entraram na nossa sociedade e
se tornaram aceitáveis aos olhos de toda a gente?
Cristina Mestre
Texto enviado pelo meu amigo Diamantino Silva.
Texto enviado pelo meu amigo Diamantino Silva.
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Esta subtil técnica de engenharia social de manipulação mediática (intoxicação da opinião pública) tem sido usada intensivamente em Portugal, principalmente nos últimos anos. A teoria das "Gorduras do Estado" e a da "Os portugueses viveram acima das suas possibilidades" foram, talvez, as mais emblemáticas. No momento, está a começar a ser aplicada a campanha que conduza a opinião pública a aceitar como inevitável a continuação das atuais medidas de austeridade e, possivelmente, o seu agravamento, se a situação económica se degradar, e a retomar uma outra, já iniciada em 2013, orientada para promover a aceitação da necessidade imperiosa de um entendimento político entre do PS e o PSD.
Como este trabalho, desde a conceção à execução, não é feito por amadores, o governo contrata agências especializadas, que se fazem pagar a peso de ouro, o que se apresenta como um paradoxo escandaloso, uma vez que são os portugueses a pagar a sua própria intoxicação.
AC
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