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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Notas do meu rodapé: Crise de 1891-93


O Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), de 2011, comumente designado por Memorando da Troika, foi apresentado numa perspetiva de ajuda desinteressada e altruísta ao Estado português, com o argumento de que a sua dívida pública. Não foi apresentado, discutido, nem explicado ao povo português, ao nível dos seus efeitos, que já eram conhecidos pelos seus subscritores indígenas e pelos dirigentes dos partidos do arco da traição. É o que está a ver-se. Já anteriormente, fizera carreira a tese do "bom aluno", que tanto embeveceu a nata bem pensante do país, e que, agora, o governo de Passos Coelho adotou, de uma forma caninamente subserviente. 
O cenário do ultimato de 1890, e o dos anos anteriores e o dos anos subsequentes, está a repetir-se, embora em contextos diversos, com atores diferentes, mas com uma causa comum: a armadilha da dívida. 
Na segunda metade do século XIX, Portugal, para se industrializar (o que foi uma boa opção), teve de endividar-se, a fim de construir os caminhos de ferro, infraestrutura indispensável para desenhar o mercado interno, pois não fazia sentido produzir adubos no Barreiro e ter de os transportar de mula para Trás-os-Montes e para o Minho. Só que o Estado Português viu-se na necessidade de contrair empréstimos junto da Bolsa de Londres, para poder comprar aos ingleses locomotivas, carruagens, carris de ferro e outros equipamentos industriais, que Portugal não produzia. O dinheiro dos empréstimos nem sequer chegava a Portugal, pois o valor das nossas exportações de produtos do setor primário da economia não chegava para evitar a acumulação crescente do défice comercial e o da balança de pagamentos. 
Quando se chegou a 1890, os ingleses já sabiam que Portugal estava de tanga, e sem dinheiro para mandar cantar um cego, quanto mais para organizar um exército que fosse defender o Mapa Cor de Rosa. 
A crise financeira, na sua vertente orçamental, monetária e cambial, era muito parecida com a atual. A moeda nacional, super-valorizada em relação à produtividade da economia, não conseguia acompanhar o valor da Libra, que se valorizava. Na década anterior, já a dívida pública vinha a agravar-se para cobrir os crónicos défices orçamentais. Coube à dupla José Dias Ferreira (bisavô da Manuela Ferreira Leite) e Oliveira Martins (bisavô de Guilherme Oliveira Martins) apanhar os cacos da crise. Um desvalorizou a moeda em 30 por cento e o outro, no ano seguinte, viu-se obrigado a declarar a bancarrota. Não pagamos, disseram eles! Que se saiba, não houve nenhum terramoto em Portugal, nem os ingleses enviaram a sua Marinha de Guerra e a sua Infantaria. Os credores, antes arrogantes e intransigentes, moderaram os seus ímpetos agressivos e pensaram duas vezes que seria bem melhor receber algum dinheiro do que não receber nenhum. E iniciaram-se negociações construtivas para reestruturar a dívida, em termos aceitáveis para o devedor, no sentido de não atrofiar o crescimento da sua economia, condição vital para os credores, para garantirem pagamentos futuros dos créditos em dívida. Perdoou-se parte da dívida, alongaram-se os prazos das maturidades e baixou-se a taxa de juro. Não se fez nada que não pudesse fazer-se na atualidade. Portugal não desapareceu do mapa, não se afundou no Atlântico, nem alienou soberania. Foi doloroso para o povo. Com as posteriores desvalorizações da moeda nacional, os sacrifícios atingiram proporcionalmente pobres e ricos. Durou o inferno (igual ao atual, mas em que os ricos não se queimam nas chamas) uns quatro anos, até que a economia reanimou com o salto das exportações e com a dinamização do mercado interno, dois pilares importantíssimos para a formação do PIB (eu ainda não compreendi como é que a troika e este governo querem aumentar o PIB, matando o consumo interno!). 
Desculpe-me esta longa exposição, mas eu apenas quis demonstrar que a crise atual é muito parecida com a de 1891-93, sendo, no entanto, muito diferente nas formas para a superar. Os portugueses dos finais do século XIX sofreram menos do que a maior parte dos portugueses sofrem na atualidade, não entrando em linha de conta com as diferenças dos respetivos padrões de vida, assim como dos diferentes níveis de desenvolvimento. Atualmente, estamos a ser estúpidos, porque estamos a deixar que nos destruam a economia, ao nível das pequenas e médias empresas, que, antes desta crise, ocupavam oitenta por cento da população ativa, assim se explicando as elevadas taxas de desemprego atingidas, passados dois anos da austoritária governação troikiana. 

Os nossos amiguinhos europeus estão a ajudar-nos, certamente. Mas com estes amigos destes, eu prefiro os inimigos.




Perfeitamente de acordo, Luís Alves de Fraga. O Memorando da Troika foi apresentado nessa perspetiva de ajuda desinteressada e altruísta. Não foi apresentado, discutido, nem explicado ao povo português, ao nível dos seus efeitos, que já eram conhecidos pelos seus subscritores indígenas e pelos dirigentes dos partidos do arco da traição. É o que está a ver-se. Já anteriormente, fizera carreira a tese do "bom aluno", que tanto embeveceu a nata bem pensante do país, e que, agora, o governo de Passos Coelho adotou, de uma forma caninamente subserviente. 
O cenário do ultimato de 1890, e o dos anos anteriores e o dos anos subsequentes, está a repetir-se, embora em contextos diversos, com atores diferentes, mas com uma causa comum: a armadilha da dívida. 
Na segunda metade do século XIX, Portugal, para se industrializar (o que foi uma boa opção), teve de endividar-se, a fim de construir os caminhos de ferro, infraestrutura indispensável para desenhar o mercado interno, pois não fazia sentido produzir adubos no Barreiro e ter de os transportar de mula para Trás-os-Montes e para o Minho. Só que o Estado Português viu-se na necessidade de contrair empréstimos junto da Bolsa de Londres, para poder comprar aos ingleses locomotivas, carruagens, carris de ferro e outros equipamentos industriais, que Portugal não produzia. O dinheiro dos empréstimos nem sequer chegava a Portugal, pois o valor das nossas exportações de produtos do setor primário da economia não chegava para evitar a acumulação crescente do défice comercial e o da balança de pagamentos. 
Quando se chegou a 1890, os ingleses já sabiam que Portugal estava de tanga, e sem dinheiro para mandar cantar um cego, quanto mais para organizar um exército que fosse defender o Mapa Cor de Rosa
A crise financeira, na sua vertente orçamental, monetária e cambial, era muito parecida com a atual. A moeda nacional, super-valorizada em relação à produtividade da economia, não conseguia acompanhar o valor da Libra, que se valorizava. Na década anterior, já a dívida pública vinha a agravar-se para cobrir os crónicos défices orçamentais. Coube à dupla José Dias Ferreira (bisavô da Manuela Ferreira Leite) e Oliveira Martins (bisavô de Guilherme Oliveira Martins) apanhar os cacos da crise. Um desvalorizou a moeda em 30 por cento e o outro, no ano seguinte, viu-se obrigado a declarar a bancarrota. Não pagamos, disseram eles! Que se saiba, não houve nenhum terramoto em Portugal, nem os ingleses enviaram a sua Marinha de Guerra e a sua Infantaria. Os credores, antes arrogantes e intransigentes, moderaram os seus ímpetos agressivos e pensaram duas vezes que seria bem melhor receber algum dinheiro do que não receber nenhum. E iniciaram-se negociações construtivas para reestruturar a dívida, em termos aceitáveis para o devedor, no sentido de não atrofiar o crescimento da sua economia, condição vital para os credores, para garantirem pagamentos futuros dos créditos em dívida. Perdoou-se parte da dívida, alongaram-se os prazos das maturidades e baixou-se a taxa de juro. Não se fez nada que não pudesse fazer-se na atualidade. Portugal não desapareceu do mapa, não se afundou no Atlântico, nem alienou soberania. Foi doloroso para o povo. Com as posteriores desvalorizações da moeda nacional, os sacrifícios atingiram proporcionalmente pobres e ricos. Durou o inferno (igual ao atual, mas em que os ricos não se queimam nas chamas) uns quatro anos, até que a economia reanimou com o salto das exportações e com a dinamização do mercado interno, dois pilares importantíssimos para a formação do PIB (eu ainda não compreendi como é que a troika e este governo querem aumentar o PIB, matando o consumo interno!). 
Desculpe-me esta longa exposição, mas eu apenas quis demonstrar que a crise atual é muito parecida com a de 1891-93, sendo, no entanto, muito diferente nas formas para a superar. Os portugueses dos finais do século XIX sofreram menos do que a maior parte dos portugueses sofrem na atualidade, não entrando em linha de conta com as diferenças dos respetivos padrões de vida, assim como dos diferentes níveis de desenvolvimento. Atualmente, estamos a ser estúpidos, porque estamos a deixar que nos destruam a economia, ao nível das pequenas e médias empresas, que, antes desta crise, ocupavam oitenta por cento da população ativa, assim se explicando as elevadas taxas de desemprego atingidas, passados dois anos da austoritária governação troikiana
Os nossos amiguinhos europeus estão a ajudar-nos, certamente. Mas com estes amigos destes, eu prefiro os inimigos.

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