O Ministério da Saúde prepara a destruição do
Internato Médico e a criação de um amplo universo de médicos indiferenciados ?
A FNAM tomou conhecimento de que o Ministério da
Saúde elaborou um projeto de decreto-lei que visa
introduzir profundas alterações ao enquadramento do Internato Médico e
considera urgente denunciar as seguintes questões fundamentais:
1- O referido projeto está definido como
visando estabelecer o regime jurídico da formação médica especializada com
vista à obtenção do título de especialista.
Trata-se de introduzir um amplo e gravoso
conjunto de medidas de alteração ao atual enquadramento legal com o claro
objetivo de desregulamentar esta fase decisiva da formação médica, tornando
mais restrito o numero de médicos especialistas e criando, com isso, um vasto
universo de médicos indiferenciados com a consequente degradação da qualidade
assistencial à população.
2- É estranho que este projeto ministerial não
tenha sido enviado às organizações sindicais médicas quando possui diversas
matérias que obrigam, no plano legal, à negociação sindical.
Mais uma vez, o Ministério da Saúde tenta
subverter as regras legais da negociação sindical, de modo a tentar evitar uma
maior contestação a medidas lesivas e que, pelo seu conteúdo, representariam um
retrocesso de décadas na qualidade e diferenciação da formação médica
pós-graduada.
3- O concurso de acesso à formação nas
especialidades, que deveria ser de seriação dos candidatos mediante um teste, é
agora objeto de inserção da média das notas obtidas durante a faculdade e da
colocação de percentagens mínimas para poder concorrer a uma especialidade.
Esta questão suscita, desde logo, sérias
apreensões porque não existe qualquer esquema de ponderação das notas
entre as várias faculdades de medicina no nosso país e a este facto há que
juntar ainda os licenciados que são oriundos de múltiplas faculdades no
estrangeiro.
Se tivermos em conta que após vários anos as
faculdades de medicina no nosso país ainda não conseguiram harmonizar e
homogeneizar a estrutura do 6º ano profissionalizante dos seus cursos, mais
improvável se torna conseguir uma situação de justiça nas notas dos diferentes
cursos.
4- Ao transformar uma prova de seriação de candidatos
em uma nova prova de avaliação, estabelecendo 50% de exigência de respostas
certas sob pena de nesses casos não poderem aceder à formação numa
especialidade, O Ministério da Saúde tem como objetivo retomar uma medida de há
20 anos em que foram criadas largas centenas de médicos indiferenciados sem
qualquer formação especializada e que passaram a ser contratados à tarefa e a
baixíssimos preços por empresas privadas e até por diversos serviços públicos.
Os resultados desastrosos dessa medida foram
tais, que governos seguintes foram obrigados pelas circunstâncias e pelas
exigências da qualidade assistencial a alterarem essa situação, alargando a
capacidade de formação de especialistas.
5- A criação de um amplo contingente de médicos
indiferenciados em permanente aumento anual visa facilitar a rentabilização das
empresas privadas e de mistificar os cortes indiscriminados em desenvolvimento
nos serviços públicos de saúde.
Tudo à custa da qualidade assistencial prestada
aos nossos cidadãos.
6- Simultaneamente, este projeto ministerial vem
desencadear um processo que nem no tempo da ditadura houve coragem para isso e
que é a liquidação de algumas funções legais da Ordem dos Médicos no que
se refere aos mecanismos de autoregulação profissional no plano técnico-científico.
Nesse sentido, este projeto ministerial
elimina a competência da Ordem dos Médicos em avaliar as capacidades
técnicas e formativas dos serviços de saúde, públicos e privados, e
transfere-a para uma administração central do próprio ministério.
Esta é uma velha exigência dos grupos privados
para poderem dispor de médicos internos a trabalharem para si,
independentemente das condições formativas que dispõem.
E é uma velha aspiração do aparelho ministerial
para distribuir vagas de formação de especialistas a seu bel-prazer pelos
serviços de saúde que melhor lhe convierem, em função dos seus interesses
clientelares.
7- Estamos perante mais uma ação do Ministério
da Saúde e do Governo para destruírem a qualidade do exercício da formação
médica e do próprio SNS.
Este é mais um dramático exemplo de que a
palavra de ordem governamental é destruir tudo o que de positivo existe para os
cidadãos.
A FNAM considera que a gravidade desta situação
impõe o imediato desencadeamento de contactos entre as principais estruturas médicas
para definir as firmes ações reivindicativas a adotar no imediato.
Deste modo, a FNAM transmite, desde já, a
sua total disponibilidade e empenhamento na concretização dessa inevitável e
urgente contestação.
Porto, 4/ 2 / 2014
A Comissão Executiva da FNAM
Nota: Silenciosamente, sem alarido público, e
obedecendo a um plano faseado, o Ministério de Paulo Macedo vai
levando a água ao seu moinho, esvaziando funcionalidades estratégicas do
Serviço Nacional de Saúde, para que, mais tarde (no curto e no médio prazo), os
grupos económicos do setor, há uma dezena de anos constituídos, venham a
explorar os seus serviços de maior rentabilidade. Depois de terem entrado na esfera
do Estado, através das Parcerias Público-Privadas, pela mão de governos do Partido
Socialista, este governo de direita já provocou a rarefação de médicos
generalistas, principalmente no interior do país e já encerrou hospitais e
centros de saúde, preparando-se agora para reduzir o número de médicos das
carreiras hospitalares, através do controlo do acesso desses médicos ao
internato complementar e retirando à Ordem dos Médicos as competências na
credenciação dos serviços hospitalares, que irão ministrar a formação das
diversas especialidades médicas e cirúrgicas.
Este é um problema que não diz respeito apenas
aos médicos e às suas organizações sindicais. Diz também respeito a todos os
utentes do SNS, que irão ficar seriamente prejudicados nos seus direitos com
esta ofensiva do Ministério da Saúde.
Amanhã, os portugueses, se não se mobilizarem em
defesa do SNS, ultrapassando as meras reivindicações sócio-profissionais, cuja
importância não se discute, irão acordar em frente do velho médico das Caixas
de Previdência, que nem sequer se dignará a olhá-los, limitando-se a prescrever
umas pastilhas. Será esse o tempo em que se cumprirá a profecia de um médico,
que me confidenciou, no início dos anos oitenta do século passado, “que quem
quer saúde, paga-a”. Já estamos a pagá-la!...
AC