NOTA DO SECRETARIADO DO COMITÉ CENTRAL DO PCP
Faleceu António Tereso
7 Janeiro 2017
O Secretariado do Comité Central do Partido Comunista Português informa com mágoa e tristeza, do falecimento hoje dia 7 de Janeiro aos 89 anos, de António Tereso. Militante comunista que dedicou a sua vida à luta dos trabalhadores e do povo português pela liberdade, pela democracia, pelo socialismo.
António Tereso, começou a trabalhar aos 12 anos, ingressando mais tarde na Carris.
É como operário da Carris e na sequência da luta que em Fevereiro de 1959 foi preso e condenado a dois anos e três meses de prisão.
Na prisão de Caxias desempenha complexo e destacado papel na preparação e concretização da fuga de oito destacados dirigentes e militantes comunistas do Forte de Caxias no carro blindado de Salazar, a 4 de Dezembro de 1961.
Depois da fuga, foi forçado a ingressar na clandestinidade.
Passou depois pela Checoslováquia e por França, onde tirou o curso de torneiro mecânico e aí exerceu essa profissão até ao 25 de Abril de 1974.
Após o 25 de Abril, regressado a Portugal, desempenhou as mais diversas tarefas e responsabilidades no apoio à Direcção do Partido, até quando lhe foi possível fisicamente, antes e após a sua reintegração na Carris.
O corpo de António Tereso estará em câmara ardente na Casa Mortuária da Igreja de S.Francisco de Assis, na Av.Afonso III (ao Alto de S.João) a partir das 10 horas de dia 8 de Janeiro, domingo, saíndo o funeral às 12 horas para o Cemitério de Barcarena onde o corpo será cremado pelas 12h30.
***
A
FUGA DE CAXIAS NO CARRO DE SALAZAR
Contada por António Gervásio (dirigente do PCP), um dos
fugitivos
A 4 de Dezembro de 1961, em pleno dia – 10 da manhã –, oito
destacados militantes comunistas, rompendo a forte segurança policial, fogem
com êxito do Forte de Caxias num velho «Mercedes» à prova de bala, oferecido
por Hitler ao ditador Salazar.
Recordamos os oito fugitivos: José Magro, Francisco Miguel,
Domingos Abrantes, António Gervásio, Guilherme de Carvalho, Ilídio Esteves,
Rolando Verdial (todos funcionários do Partido) e António Tereso.
Foi grande o impacto nacional desta fuga. As pessoas ficaram
impressionadas: como foi possível, em pleno dia, num pátio interior do forte
rodeado de taludes, GNR’s, carcereiros armados e sempre com os olhos postos nos
movimentos de cada preso, chegar um automóvel e, num abrir e fechar de olhos,
oitos presos desaparecerem sem os guardas terem tempo para compreender o que se
estava a passar? É natural que surjam tais interrogações. Sem dúvida que jogou
muito o factor surpresa e a rapidez – agir tão rápido que os guardas não
tivessem tempo de pensar que se tratava de uma fuga!
Cada fuga tem a sua história. A fuga de Caxias não foi uma
realização ao acaso, nem uma aventura. Ela envolve um longo trabalho colectivo
(cerca de um ano), paciente, minucioso, um conhecimento profundo de
variadíssimos detalhes.
(...) O elevado número de fugas não nos deve levar a pensar
que as cadeias fascistas eram calabouços frágeis de onde se podia fugir
facilmente. Nada disso! A Pide introduzia constantemente medidas rigorosas de
segurança. Quem passou longos anos na cadeia sabe disso.
1. Preparação da fuga
Nos finais da década de 50 o Partido tinha sofrido duros
golpes com a prisão de numerosos funcionários. Nessa altura, muitos deles
encontravam-se no Forte de Caxias. A Pide temia os funcionários do Partido e
tinha razões para isso... A polícia, com receio das fugas, tinha medo de os
juntar na mesma sala. Por outro lado, procurava não dividi-los pelas salas dos
outros presos para impedir o trabalho de esclarecimento e organização; para não
permitir que ensinassem a ler e a escrever e estabelecessem ligações entre
salas, pisos e alas, etc.
Contudo, a certa altura, a Pide decidiu distribuir os
funcionários do Partido pelas salas dos outros presos. Isso veio possibilitar o
reforço das ligações entre salas e pisos e dar passos na direcção da fuga. Não
demorou muito que a Pide voltasse de novo a juntar os funcionários numa sala do
rés-do-chão que oferecia maior segurança, o que veio facilitar a preparação,
uma vez que estavam todos juntos.
Um certo dia soubemos que se encontrava na garagem da cadeia
um «Mercedes» à prova de bala. Esta informação teve uma enorme importância para
se perspectivar a fuga. Todos os esforços se viraram para o «Mercedes». Era
necessário conhecer o estado do carro, repará-lo, arranjar combustível, fazer
ensaios. Colocava-se a questão: como chegar ao «Mercedes» sem levantar o mínimo
de suspeita? A organização do Partido na cadeia pôs a imaginação a trabalhar.
E, como se costuma dizer, para os comunistas as dificuldades só existem para
serem vencidas.
2. A história do «rachado»
No Forte de Caxias existiam alguns presos com comportamentos
fracos que, a troco de visitas em comum com familiares, apanhar sol, receber
comida da família, se dispunham a fazer alguns serviços da cadeia, como
limpezas e outros. A esses presos, os outros chamavam-lhes «rachados» (uma
coisa que não presta). Estudando esta realidade dos «rachados», a organização
do Partido na cadeia avançou com a ideia de arranjar um «rachado» fingido, um
quadro sério, corajoso, capaz de assumir tarefas difíceis e arriscadas.
Essa escolha foi cair no camarada Tereso, motorista da
Carris, com conhecimentos mecânicos e outras capacidades. Não vamos explicar um
conjunto de situações diversas. Dizer só que levou tempo a ganhá-lo para a
tarefa, pois ele não aceitava a ideia de ser «rachado» mesmo a fingir. Contudo,
sendo uma tarefa do Partido, acabou por aceitá-la. A Pide, desconfiada, demorou
tempo a ser convencida.
Uma das tarefas do novo «rachado» era ganhar a confiança dos
carcereiros. Começou por arranjar os carros da cadeia, depois os carros do
director do Forte e de alguns Pides. A sua credibilidade foi crescendo e
passado tempos chegou ao célebre «Mercedes». Estudou-o, foi-o reparando e
sacando combustível da cadeia. Com o andar dos tempos começou a fazer
experiências, pequenas manobras no pátio do forte, ensaios que foram
aumentando.
3. Os passos finais
Passaram-se vários meses. Os dados estavam lançados. As
andanças do «Mercedes» eram vistas como normais pela GNR. Os batentes de
cimento do portão do exterior estavam devidamente estudados: não iriam resistir
ao embate do «Mercedes».
A fuga tinha de realizar-se antes das 10 horas da manhã,
porque depois dessa hora chegavam ao portão familiares dos presos para as
visitas. Estavam asseguradas medidas para não haver pessoas atrás do portão e
era rigorosamente necessário que no dia da fuga os carros da cadeia e da Pide,
dentro do forte, estivessem, antes das 9 horas, todos imobilizados, avariados,
para não poderem perseguir os fugitivos – medida que também foi assegurada.
Estava definido quais os oito camaradas que iriam participar
na fuga. A casa da guarda (GNR) ficava no meio do túnel que dava acesso ao
pátio do recreio dos funcionários presos e ao portão do exterior. Junto à casa
da guarda havia um gradão de ferro. Havia comandantes que tinham o túnel
fechado com o gradão durante o dia, outros tinham-no aberto. No dia da fuga o
túnel estava fechado.
Algumas semanas antes da fuga a Pide inventou um estratagema
na escala dos recreios no sentido dos funcionários presos nunca saberem o dia e
a hora certa do recreio, tudo isto com receio de fuga! Mas, passados alguns
dias, descobrimos o segredo pidesco.
Finalmente chegou o dia decisivo. A 4 de Dezembro de 1961,
às nove e pouco da manhã, a Pide abre-nos a porta para o recreio. Estávamos um
pouco tensos. Alguns de nós pensámos: vamos sair e já não voltaremos!
No recreio iniciámos o nosso jogo tradicional de voleibol
que fazia parte de outra jogada... A GNR, nos taludes, observava-nos. No nosso
meio circulavam carcereiros armados.
Poucos minutos depois vemos o «Mercedes» conduzido por
Tereso subindo em marcha atrás o túnel por onde iríamos fugir. O «Mercedes»
chegou até junto de nós. Começámos a «protestar», os guardas muito atentos,
aproximámo-nos do carro cujas portas só estavam encostadas – tudo aparentemente
sereno mas muito rápido. Ouve-se o grito da senha: GOLO! E num gesto super
rápido os oito fugitivos estavam no interior do «Mercedes» que, em grande
velocidade, avança pelo túnel em direcção à liberdade. A sentinela não teve
sequer tempo de fechar o gradão. O «Mercedes» vai direito ao portão exterior,
arranca em primeira, dá uma pancada no portão que salta em pedaços! Ouvem-se
tiros de metralhadora. O «Mercedes» arranca encostado ao talude do forte.
Chovem tiros e ouvem-se as balas a fazerem ricochete no carro.
Os carcereiros correm em busca dos carros da cadeia, mas,
para seu azar, nenhum deles quis mexer-se, estavam todos avariados! Não podiam
perseguir os comunistas fugitivos...
Cerca de 10 minutos depois, os oito fugitivos estavam em Lisboa.
Cada um seguiu o seu rumo a abraçar as novas tarefas do Partido. O «Mercedes»
ficou a descansar na rua Arco do Carvalhão até a Pide o ir buscar...
in «O Militante» - N.º 280 Janeiro /Fevereiro 2006
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Nota: Os heróis também morrem... Embora muitos sejam esquecidos...
AC