Em vez de falar sobre temas do Direito
Administrativo que não domina "de todo", juiz do Tribunal da Relação
de Guimarães optou por uma redação que "vai à volta".
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Para nossa sorte, este juiz do Tribunal da
Relação de Guimarães teve o azar de deixar uma nota pessoal, num acórdão que
redigiu, desabafando - não sei se com a intenção de exprimir um protesto ou se
para justificar o seu desleixo - que, "de todo", não dominava os
conceitos do Direito Administrativo e que não tinha tempo para ir à biblioteca
consultar a jurisprudência nem dinheiro para comprar livros sobre a matéria.
Digo-vos que ia caindo da cadeira! E, depois de
dominar o espanto, comecei a interrogar-me se este caso era regra ou se era
exceção no nebuloso mundo da justiça, uma justiça que, para ser totalmente
independente dos outros poderes do Estado, tem o privilégio de
auto-administrar-se. Este estado de leviandade na justiça não será certamente
regra, mas também acredito que não seja exceção. E digo isto, porque,
recordando os fundamentos de alguns acórdãos, sentenças e decisões judiciais,
respigados da imprensa, fui consolidando a ideia de que parte da justiça
portuguesa navega ao sabor das circunstâncias e das conveniências (políticas,
pessoais ou de grupo). Ainda há dias, num processo de recurso interposto pela
defesa de José Sócrates, o juiz relator, em vez de citar os códigos,
permitiu-se - não sei se foi por não ter tido tempo de ir à biblioteca
consultar a jurisprudência ou se foi por falta de dinheiro para comprar livros
de Direito - recorrer com frequência a aforismos populares, do género,
"quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem",
expediente este que ajavarda a justiça.
Por último, e em relação ao juiz de Guimarães,
resta perguntar como é que ele conseguiu tirar o curso de Direito e ter passado
no crivo do Centro de Estudos Judiciários.
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Amigo Alexandre,
Estou a abrir uma excepção ao
escrever isto, porque estou muito longe, mas o teu texto chamou-me a atenção e
tive que me servir do IPad, não porque discorde da matéria de facto que está
provada (o não conhecimento por parte do relator dp acórdão - que até é
bastante honesto ao manifestá-lo), mas sim dando uma achega para explicar estas
anomalias que, não sendo culpa dos juízes, são do sistema. Um, juiz de primeira
instância vai percorrendo um longo caminho onde se cruza com processos da mais
variada natureza. Depois, alguns deles que concorrem para tribunais específicos
- trabalho, administrativo, fiscal, cível, crime - ficam por vezes largos anos
a julgar apenas processos relacionados com a sua especialidade, perdendo por
completo o contacto com as outras vertentes do Direito. São, depois quando
concorrem a desembargadores, colocados onde há vaga. E isso é comum. A ilustrar
este sistema cretinoide, cego e sem ouvidos, vou desenvolver, a seguir, um dos
casos que é do meu conhecimento. Um bom amigo e antigo colega, foi, depois de
juiz de primeira instância, colocado num Tribunal do Trabalho, onde chegou
alguns anos após, a presidente do mesmo. Isto passou-se ao longo de cerca de 30
anos. Trabalho, trabalho e só trabalho. Quando concorreu a desembargador (o que
não queria), foi-lhe destinada uma vaga numa Vara Crime, em Lisboa. Encontrei-o
alguns meses depois e, numa conversa de café, manifestou o seu desagrado com o
sistema. Disse-me ele: "então eu andei toda a vida a estudar direito do Trabalho
e agora tenho que estudar ainda mais porque o Crime é um abismo para mim, os
advogados sabem mais que eu e para fundamentar os acórdãos estudo que nem um
danado.". Esse amigo hoje conselheiro, foi uma das vítimas do sistema. E,
quem pensar que os relatores na Relação e Supremo não trabalham, desiludam-se.
Trabalham e muito. Mas, certamente a isso se devem sentenças e acórdãos tão
díspares como o de um processo ser tratado de uma forma na 1ª instância, doutra
na Relação e de forma completamente diferente no Supremo. Mas, também há
realmente alguns juízes incompetentes mas felizmente são poucos, muito poucos,
muito menos do que se supõe. Mas há-os.
Joaquim
Pereira da Silva
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Amigo Joaquim:
Eu aceito essa perspetiva, que brilhantemente
enquadraste. A falta de especialização, ao nível dos magistrados, é uma lacuna
grave, que urge colmatar. Já há muito tempo que essa especialização está a ser
pedida pelos juristas mais lúcidos, para acabar de vez com a bizarria de ver os
juízes a inferiorizarem-se perante os advogados das sociedades de advogados e
os dos grandes gabinetes, onde essa especialização já está implantada. Uma
reforma do sistema de Justiça deveria começar por aqui. Ganhava-se em
eficiência e em tempo. Os juízes adquiririam mais bases para fundamentar as
suas decisões jurídicas e seria mais célere a tramitação do processo. Como é
que seria a prestação dos cuidados de Saúde, se não houvesse especialização
médica? Por isso, estou totalmente de acordo com o teu texto. Eu, na minha
curta intervenção, apenas pretendi isolar e fazer sobressair o lado insólito do
caso do juiz de Guimarães, para mostrar a degenerescência do sistema. Aliás, no
comentário que subscrevi, logo a seguir, eu afirmo: "A degradação é total.
Degradação política, económica, social, institucional, de valores (já vivemos
na fase do salve-se quem puder)". Foi pelo lado político que enquadrei a
questão. Amanhã irei publicar este meu texto no Alpendre da Lua, ao qual
acrescentarei o teu, se estiveres de acordo.
Boas férias. Pede o atestado médico aos pilotos
dos aviões que utilizares, antes do embarque.
Alexandre
de Castro
1 comentário:
Ora boa mesmo. Perante o que li, não sabia se havia de rir ou chorar, pois aquilo é mais um "jeitinho" de fazer "justiça" e como a culpa não morre solteira, tanto o dito juiz, como o sistema, são culpados. Sempre me ensinaram que quando não sabes de algo ou tens duvidas pergunta, pede ajuda, mas deve ser um acto "vergonhoso" para um juiz fazer isso, pois o aprendizado é para a vida toda, não é por andar a estudar mais de vinte anos que adquiro o conhecimento total, falta sempre algo. Depois preciso ter a coragem de dizer "não sei", mas vou procurar saber, para poder julgar e avaliar melhor, para não chegar a uma conclusão errada.Não sei meu amigo Alexandre, eu penso assim e pelo que li do teu texto, foi mesmo falta de procurar saber, como deveria agir.
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