Um poema sublime (dos melhores poemas de Maria
Azenha), que escorrega das fontes de todas as lágrimas pelas nossas mãos já
frágeis do nosso desespero e do nosso desencanto, porque “Abril chega e nunca
mais vem”, tendo-se perdido no labirinto das “palavras sem projeto” e
desfazendo o sonho, mil vezes sonhado e desejado do país que queríamos sem
escravos.
Mas “quebrou-se este país antigo e puro, conduzido
por homens de má-fé e cegos”, que lhe roubaram as “estrelas” e as “bússolas de
frente”, para que as “aves” fossem “caindo, uma a uma”.
Noam Chomsky é considerado uma celebridade do
mundo intelectual. Um autor prolífico e assumido anarquista, que aos 86 anos de
idade não dá sinais de querer abrandar o ritmo. É uma voz ativa na denúncia de
várias injustiças, tendo com bastante frequência o Ocidente como alvo.
Quem é Noam Chomsky?
Avram Noam Chomsky nasceu em Filadélfia, nos
Estados Unidos, a 7 de dezembro de 1928
Começou a trabalhar no Instituto de Tecnologia
de Massachusetts em 1995
É um reputado linguista, filósofo e ativista
político
O trabalho que desenvolveu na década de 50
revolucionou o campo da linguística
Destacou-se pelo ativismo contra a guerra do
Vietname
Opõe-se às elites reinantes e é um forte crítico
dos Estados Unidos e da política externa ocidental
É um respeitado autor, com dezenas de livros
publicados
Discutimos estas e outras questões numa
entrevista com o reputado linguista, filósofo e ativista político
norte-americano, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados
Unidos.
Isabelle Kumar, Euronews: Em 2015, o mundo
parece um lugar conturbado, mas se pensarmos a nível global, sente-se otimista
ou pessimista?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Estamos a caminhar, a nível global, para um precipício, no qual
estamos determinados a cair, e que reduzirá nitidamente as perspetivas de uma
sobrevivência decente.”
Isabelle Kumar, Euronews: Que precipício?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Na verdade existem dois precipícios. Um é a catástrofe ambiental
iminente. Não temos muito tempo para lidar com isso e fazemos o percurso
errado. O outro aconteceu há cerca de 70 anos, a ameaça de guerra nuclear, o
que é interessante. Se fizermos uma retrospetiva é um milagre termos
sobrevivido.”
Isabelle Kumar, Euronews: Falemos agora de
questões ambientais. Pedimos aos nossos seguidores nas redes sociais para
enviarem perguntas e recebemos imensas questões. Enea Agolli pergunta: Quando
se depara com a questão ambiental e assume uma postura filosófica, o que tem a
dizer em matéria de alterações climáticas?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “A espécie humana existe há cerca de cem mil anos e está agora
perante um momento único na história. Esta espécie está numa posição em que
decidirá, brevemente, as próximas gerações, se a chamada vida inteligente
vingará ou se estamos determinados a destruí-la. Os cientistas reconhecem,
surpreendentemente, que a maioria dos combustíveis fósseis têm de ficar no solo
se quisermos um futuro decente para os nossos netos. Mas as estruturas institucionais
da nossa sociedade fazem pressão para se extrair cada gota. Os efeitos, as
consequências humanas, esperados por causa das alterações climáticas, num
futuro próximo, são catastróficos e caminhamos para um precipício.”
Isabelle Kumar, Euronews: Em matéria de guerra
nuclear constatamos que a possibilidade do acordo iraniano pressupõe que se
alcançou uma etapa preliminar. Isso dá-lhe alguma esperança sobre o cenário de
se fazer do mundo um lugar mais seguro?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista político:
“Sou a favor das negociações no Irão, mas são profundamente imperfeitas.
Existem dois estados em tumulto no Médio Oriente que fazem agressões, recorrem
à violência, atos terrotistas, atos ilegais, constantemente. Ambos têm um
grande potencial nuclear. E as armas nucleares deles não estão a ser tomadas em
conta.”
Isabelle Kumar, Euronews: A quem se refere
concretamente?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Aos Estados Unidos e a Israel, os dois maiores estados nucleares do
mundo. Existe uma razão para, nas sondagens internacionais, conduzidas por
agências de sondagens norte-americanas, os Estados Unidos serem vistos como a
maior ameaça à paz mundial por uma margem impressionante. Nenhum outro país
chega sequer perto. De certa forma é interessante que os meios de comunicação
norte-americanos tenham recusado publicar isto. Mas é um facto.”
Isabelle Kumar, Euronews: Não tem o presidente
Barack Obama em grande conta. Este acordo fá-lo pensar melhor de Obama? O facto
de estar a tentar reduzir a ameaça de guerra nuclear?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Na verdade, ele apenas iniciou um programa avultado de modernização
do sistema de armamento nuclear dos Estados Unidos, o que significa expandir
esse sistema. Essa é uma das razões pela qual o famoso Relógio do Juízo Final,
estabelecido pelo Boletim dos Cientistas Atómicos, ficou, há apenas algumas
semanas, dois minutos mais próximo da meia-noite. A meia-noite representa a
destruição total. É o mais próximo que estamos desse ponto em três décadas,
desde os primeiros anos de Reagan, quando existia um medo enorme de guerra.”
Isabelle Kumar, Euronews: Referiu os Estados
Unidos e Israel a propósito do Irão. Agora o primeiro-ministro israelita
Benjamin Netanyahu não quer, obviamente, que o acordo nuclear funcione e diz.
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Sabemos porquê. O Irão tem despesas militares bastante baixas, mesmo
perante os padrões da região. A doutrina estratégica do Irão é defensiva,
concebida para distanciar um ataque o tempo suficiente até ao início da
diplomacia. E os Estados Unidos e Israel, os dois estados trapaceiros, não
querem tolerar um estorvo. Nenhum analista estratégico com uma função cerebral
acredita que o Irão usaria uma arma nuclear. Mesmo que estivesse preparado para
tal, o país seria vaporizado e não há indicação de que os clérigos dirigentes
queiram ver tudo o que têm destruído.”
Isabelle Kumar, Euronews: Uma última questão,
sobre esta matéria, chegou-nos através das redes sociais. Morten A. Andersen
pergunta: “Acredita que os Estados Unidos alguma vez chegariam a um acordo que
fosse perigoso para Israel desde logo?”
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Os Estados Unidos fazem ações constantes que são perigosas para
Israel, bastante sérias. Nomeadamente ao apoiar a política israelita. Nos
últimos 40 anos, a maior ameaça a Israel são as próprias políticas. Se
retrocedermos 40 anos, até 1970, Israel era um dos países mais respeitados e
admirados do mundo. Existiam muitas atitudes favoráveis. Agora é dos países
mais temidos e que geram antipatia de todo o mundo. No início dos anos 70 Israel
tomou uma decisão. Tinham essa hipótese e decidiram pela expansão em vez da
segurança e isso acarreta consequências perigosas. Consequências que eram
óbvias na altura. Escrevi sobre isso e outras pessoas também o fizeram. Se se
prefere a expansão em vez da segurança, caminha-se para a degeneração interna,
raiva, oposição, isolamento e, possivelmente, para a destruição. Ao suportar
tais políticas, os Estados Unidos contribuem para as ameaças com que Israel se
depara.”
Isabelle Kumar, Euronews: O que me leva ao tema
de terrorismo. Porque é verdadeiramente uma mancha global e algumas pessoas
dirão que se trata de uma consequência da política dos Estados Unidos em
relação ao terrorismo em todo o mundo. Até que ponto os Estados Unidos e
respetivos aliados são responsáveis pelo que assistimos neste momento, em
termos de ataques terroristas em todo o mundo?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “É preciso lembrar que a pior campanha terrorista em todo o mundo é,
de longe, a que está a ser orquestrada em Washington. É a campanha global de
assassinatos. Nunca houve uma campanha terrorista a essa escala.”
Isabelle Kumar, Euronews: O que quer dizer
quando se refere a campanha global de assassinatos?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “O programa de drones é um exemplo disso. Em muitas partes do mundo,
os Estados Unidos estão a conduzir sistematicamente, publicamente, abertamente
– não existe segredo algum sobre o que estou a dizer, todos o sabemos –
campanhas para assassinar pessoas que o governo do Estados Unidos suspeita
tentarem fazer mal a alguém um certo dia. De facto é, como referiu, uma
campanha gerada pelo terror. Quando se bombardeia uma aldeia no Iémen e matamos
alguém – atingido, ou não, a pessoa visada e também outras pessoas de um
determinado bairro – como pensa que reagirão? Irão vingar-se.”
Isabelle Kumar, Euronews: Descreve os Estados
Unidos como o estado terrorista conducente. Como é que fica a Europa no meio de
tudo isto?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “É uma boa pergunta. Recentemente, por exemplo, realizou-se um
estudo. Julgo que foi feito pela Fundação Open Society. A pior foram de tortura
é a rendição. Rendição significa capturar uma pessoa sobre a qual temos
suspeitas e enviá-la ao ditador favorito, talvez Assad, Khadafi ou Mubarak,
para que essa pessoa seja torturada, a troco de se conseguir algum elemento. É
uma rendição extraordinária. O estudo fala dos países participantes. Desde logo,
naturalmente, as ditaduras do Médio Oriente, porque foi para esses locais que
se enviaram pessoas, e, depois, a Europa. Grande parte da Europa participou.
Inglaterra, Suécia, outros países. Na verdade, apenas há uma região do mundo em
que ninguém participou: a América Latina. A América Latina tornou-se agora mais
independente em relação ao controlo dos Estados Unidos. Há relativamente pouco
tempo, quando estava sob controlo dos Estados Unidos, era o centro mundial de
tortura. Agora não participou na pior forma de tortura, que é a rendição. A
Europa participou. Se o mestre ruge, os lacaios encolhem-se.”
Isabelle Kumar, Euronews: Então a Europa é um
lacaio dos Estados Unidos?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Definitivamente. São demasiado cobardes para assumir uma posição
independente.”
Isabelle Kumar, Euronews: Onde é que Vladimir
Putin se encaixa no meio de tudo isto? É apontado como uma das maiores ameaças
à segurança. É verdade?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Como a maioria dos líderes, ele é uma ameaça para o próprio povo.
Fez ações ilegais, naturalmente, mas descrevê-lo como um monstro louco que
sofre de doença cerebral e tem Alzheimer, além de ser uma criatura maligna, é
fanatismo ao estilo orwelliano. Quero dizer, independentemente do que se pensar
das políticas que adota, são compreensíveis. A ideia de que a Ucrânia pode
integrar uma aliança militar ocidental seria inaceitável para qualquer líder
russo. Isto remonta a 1990, quando se deu o colapso da União Soviética. Houve
uma questão sobre o que aconteceria à NATO. Gorbachov permitiu à Alemanha
unificar-se e integrar a NATO. Foi uma concessão bastante notável com um quid
pro quo: que a NATO não se expandisse um milímetro para o leste. Essa foi a
frase usada.”
Isabelle Kumar, Euronews: Então a Rússia foi
alvo de provocação?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “O que aconteceu? A NATO moveu-se para a Alemanha do Leste e depois
Bill Clinton expandiu a NATO diretamente até às fronteiras da Rússia. Agora,
com o novo governo ucraniano, estabelecido depois da queda do anterior, o
Parlamento votou por 300 votos contra 8, ou algo assim, a adesão à NATO.”
Isabelle Kumar, Euronews: Mas pode perceber-se
porque querem juntar-se à NATO, porque é que o governo de Petro Porochenko
olharia para isto, provavelmente, como uma forma de proteger o país?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Não, não, não. Não é proteger o país. A Crimeia foi tomada depois da
queda do governo. E isto não é proteger a Ucrânia, é ameaçar a Ucrânia com uma
guerra maior. Isso não é proteção. A questão é que se trata de uma ameaça
estratégica séria à Rússia, a que qualquer líder russo teria de reagir.
Percebe-se bem.”
Isabelle Kumar, Euronews: Se olharmos, no
entanto, para a situação na Europa, existe também um outro fenómeno
interessante que se está a passar. Estamos a ver a Grécia a mover-se para
leste, potencialmente, com o Governo do Syriza. Também estamos ver o Podemos a
ganhar poder em Espanha, na Hungria verifica-se o mesmo cenário. Considera que
existe um potencial para a Europa começar a alinhar mais em função dos
interesses russos?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Repare no que está a acontecer. A Hungria tem uma situação
completamente diferente. O Syriza ganhou força na base de uma vaga popular, que
disse que a Grécia não se devia sujeitar mais a políticas de Bruxelas e aos
bancos alemães, que estão a destruir o país. O efeito destas políticas foi, na
verdade, aumentar a dívida da Grécia em relação à produção de riqueza.
Provavelmente, metade dos jovens estão no desemprego, 40% da população vive
abaixo do limiar da pobreza e Grécia está a ser destruída.”
Isabelle Kumar, Euronews: Então a dívida deve
ser perdoada?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Sim, como aconteceu com a Alemanha. Em 1953, a Europa perdoou grande
parte da dívida alemã, de forma a que a Alemanha se pudesse reconstruir dos
danos provocados pela guerra.”
Isabelle Kumar, Euronews: E em relação aos outros
países europeus?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Deve acontecer o mesmo.”
Isabelle Kumar, Euronews: Então Portugal e
Espanha devem ver a dívida perdoada?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Quem incorreu em dívida? A quem se deve? Em parte, a dívida foi
contraída por ditadores. Na Grécia, foi a ditadura fascista, que os Estados
Unidos apoiaram, quem contraiu grande parte da dívida. Julgo que a dívida foi
mais brutal do que a ditadura brutal, aquilo a que se chama no direito
internacional “odiosa dívida”, que tem de ser paga. E trata-se de um princípio
introduzido no direito internacional pelos Estados Unidos, quando lhes
interessava que assim fosse. Muito do resto da dívida, o que se chama
pagamentos à Grécia, consiste, na verdade, em pagamentos aos bancos, alemães e
franceses, que decidiram fazer empréstimos extremamente arriscados com juros
não muito elevados e que agora estão a ser confrontados com o facto de poderem
não ter o dinheiro de volta.”
Isabelle Kumar, Euronews: Gil Gribaudo, um dos
nossos seguidores nas redes sociais, pergunta: Como é que a Europa se vai
transformar contra as mudanças existenciais com que se depara? Porque se e
certo que existe a crise económica também é certo que existe um recrudescimento
do nacionalismo, e também descreveu algumas linhas, que falharam, que foram
criadas pela Europa fora. Como é que vemos a transformação da própria Europa?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “A Europa tem problemas sérios. Alguns problemas resultam de
políticas económicas concebidas pelos burocratas, em Bruxelas, a Comissão
Europeia, etc., sob pressão da NATO e dos grandes bancos, principalmente
alemães. Estas políticas têm algum sentido do ponto de vista de quem as
concebeu. Porque é certo que querem receber de volta o dinheiro que apostaram
em empréstimos de risco e investimentos. A outra coisa é que estas políticas
estão a provocar a erosão do Estado-providência, que nunca gostaram. Mas o
Estado-providência é um dos maiores contributos da Europa para a sociedade
moderna. Os ricos e poderosos nunca gostaram disso e o facto de estas políticas
estarem a provocar a erosão é bom do ponto de vista dessas pessoas. Existe um
outro problema na Europa. É que é extremamente racista. Sempre senti que a
Europa é, provavelmente, mais racista do que os Estados Unidos. Não era tão
visível na Europa porque a população europeia, no passado, tendia a ser
bastante homogénea. Se todos forem loiros e de olhos azuis, não se parecerá
racista, mas assim que a população começa a mudar, o racismo começa-se a fazer
notar. Muito depressa. E isso é um problema cultural sério na Europa.”
Isabelle Kumar, Euronews: Robert Light, outro
dos nossos seguidores nas redes sociais, pergunta: O que lhe dá esperança?
Noam Chomsky, linguista, filósofo e ativista
político: “Falámos sobre várias coisas que me fazem ter esperança. A
independência da América Latina, por exemplo. Tem um significado histórico. Nos
encontros hemisféricos recentes, os Estados Unidos estiveram completamente
isolados. É uma mudança radical em relação há 10 ou 20 anos, quando os Estados
Unidos dominavam [as questões latino-americanas]. Na verdade, a razão porque
Obama teve certos gestos em relação a Cuba foi para tentar superar o isolamento
dos Estados Unidos. São os Estados Unidos que estão isolados, não é Cuba. E
provavelmente falharão. Veremos. Os sinais de otimismo na Europa são o Syriza e
o Podemos. Esperamos assistir, no fim, a um levantamento popular contra as
políticas económicas e sociais esmagadoras e destrutivas, que resultam da
burocracia e dos bancos. Isso dá esperança. Devia dar.”
O Governo grego vai assinar um acordo energético
com a Rússia, já na próxima semana. A notícia está a ser avançada pela revista
alemã Der Spiegel, que cita fontes do Syriza, o partido do primeiro-ministro
grego.
A assinatura vai permitir a Atenas receber até 5
mil milhões de euros em pagamentos antecipados, numa altura em que os cofres
públicos estão praticamente vazios.
Em causa, está o gasoduto que a Rússia quer ter
pronto até 2019 e que vai permitir ligar o país à Europa. A Grécia pode receber
já os futuros benefícios, por ser um dos países por onde vai passar a
estrutura.
Entretanto, continua sem chegar a acordo com os
credores internacionais. O plano de reformas grego está a ser discutido em
Paris, pelo chamado "grupo de Bruxelas", que integra membros da
troika. Contudo, os técnicos já avisaram que não estão satisfeitos com a falta
de progressos nas negociações.
Este acordo poderá significar o princípio de uma
nova era para a Grécia e o fim do euro, para a Europa. Poderá ser também uma
grande oportunidade para Putin se vingar das provocações de que a Rússia está a
ser alvo, em relação à Ucrânia.
Se a Grécia também avançar com a concessão à
Rússia, que tem manifestado esse interesse, da exploração das enormes jazidas
de gás e de petróleo no Mar Egeu e no Mar Jónico, e se parte dos pagamentos
respetivos puderem ser antecipados, então e cessação dos pagamentos da
dívida grega à troika poderá verificar-se, sem as turbulências que uma
bancarrota acarretaria, já que o financiamento para as despesas correntes do
Estado grego ficaria assegurado, pela Rússia. A turbulência, com consequências
políticas, económicas e sociais imprevisíveis, passaria para os países do euro
e para todos os países UE, que ficariam a arder, com o passivo da dívida grega.
Perante um cenário desta dimensão, naturalmente
catastrófico, ficaria em causa, devido à teimosia e à chantagem da Alemanha e
dos seus indefectíveis aliados, a existência da própria União Europeia. AC
Agradeço ao João Fráguas o
envio desta notícia da SAPO.
Como é que pode construir-se um país, onde os
jovens não têm lugar?
A tragédia demográfica, que irá ocorrer daqui
por vinte anos, é a consequência mais grave desta política suicida. E todos nós
somos culpados, por omissão, por desinteresse, por ignorância ou por egoísmo.
Ainda são poucos os que, lucidamente, se
encontram empenhados na luta libertadora. Faltas tu!...
O autarca de Cascais [Carlos Carreiras] considera
que, apesar das novidades no campo político relativamente a candidaturas
presidenciais, é importante “o país voltar a concentrar-se nos assuntos que
realmente importam”.
“Ter ou não ter filhos é uma decisão individual.
Mas a calamidade demográfica em que o país se encontra faz desta uma matéria
política e uma prioridade patriótica”, escreve o social-democrata no artigo de
opinião que assina esta quarta-feira no jornal i, antecipando o “ritmo
insustentável de destruição de capital demográfico”, que em 2060 será notado na
população: seremos apenas 8,5 milhões de portugueses.
A demografia é uma bomba relógio, que ameaça o
país, a médio e a longo prazo. Até a gente de direita percebe isto, embora
apenas alguns se atrevam a dizê-lo na praça pública. Com esta política de
severa austeridade - que vai prosseguir por muito tempo, para que, numa manobra
financeira complexa, a poupança gerada pelo Estado português vá pagar, não só a
dívida pública, contraída junto das instituições da troika, mas,
principalmente, a dívida acumulada pelos bancos privados portugueses sobre os
bancos privados da Alemanha, e cujos títulos são considerados produtos tóxicos
- o êxodo da nova geração, quer a mais qualificada, quer a menos qualificada,
vai desequilibrar o quadro demográfico, através da diminuição acentuada e
progressiva da taxa da natalidade. É um processo corrosivo e silencioso, que se
encontra fora das preocupações da maioria dos portugueses, que, naturalmente,
se encontram mais concentrados nas consequências imediatas da crise, com o seu
funesto cortejo da perda de rendimentos e com a progressiva falta de resposta
dos serviços do Estado Social (Educação, Saúde e Segurança Social).
Quando o número de idosos começar a ultrapassar
o número da população ativa, vai entrar-se na época apocalítica da tragédia social.
Não haverá dinheiro para pagar as reformas dos jovens atuais, o PIB desacelará
em ritmo exponencial, o Estado Social ficará reduzido ao nível da inutilidade,
e Portugal descerá ao inferno do Terceiro Mundo.
E a concretizar-se esta tragédia, no futuro, os
responsáveis seremos todos nós, que iremos votar nas eleições legislativas de
Outubro deste ano e nas presidenciais de Janeiro do próximo ano.
**
NOTA:
APROVEITO PARA INFORMAR OS LEITORES DO ALPENDRE
DA LUA QUE, ESTE ANO, NÃO VOU FESTEJAR O 25 DE ABRIL DE CRAVO AO PEITO.
VOU DE LUTO, COM UMA BRAÇADEIRA PRETA NO BRAÇO.
E ISTO, PORQUE O 25 DE ABRIL MORREU E UM OUTRO ABRIL AINDA NÃO NASCEU.
Em causa está o processo dos vistos gold.
Procurador do Supremo Tribunal de Justiça considera a conversa
"normal".
Um juiz recebe uma chamada de um dirigente do
Ministério da Justiça - no caso António Figueiredo, presidente do Instituto de
Registos e Notariado (IRN) - a quem tinha pedido o favor de lhe explicar como é
que se deveria proceder para registar uma criança com um nome mirandês. Depois,
fica a saber que António Figueiredo, atualmente em prisão preventiva, desconfia
que está a ser investigado e sob escuta da PJ. Supreendido com a notícia, Luis
Vaz das Neves, que é presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, reage assim:
"Desde já lhe digo e lhe quero manifestar que tudo, mas tudo que o soutor
entenda que possa ser útil, porque eu conheço o soutor, estou totalmente
disponível para tudo".
Transversalmente, nas altas esferas do poder, o
regime está contaminado, de forma larvar, pela corrupção e pelo nepotismo, e já
é impossível corrigi-lo, por via pacífica e consensual. Cada vez mais se impõe
uma solução de rutura, que estabeleça uma nova ordem política, orientada para o
bem comum. Políticos, banqueiros, juízes e altos funcionários de Estado já
atuam em comandita, protegendo-se uns aos outros. Diz-nos a História recente
(sec. XX), da América Latina, que, quando as coisas começam assim, têm
tendência, tal como uma mancha de óleo, a alargarem-se a algumas classes
intermédias da sociedade e a elementos ativos das instituições de forças da
Segurança Pública, com estes últimos a organizarem-se em exército secreto, para
eliminarem indesejados e perigosos contestatários. Será a lei da selva, com os
diversos lobies e cartéis a retalharem e a venderem o país, de acordo com os
seus interesses.
O surgimento da religião justifica-se pela
necessidade do homem primitivo tentar encontrar uma explicação plausível para a
sua existência e para a existência de tudo aquilo que o rodeava: a Terra, o
Céu, o Sol e todos os outros astros. Mas bem depressa, o poder político da
classe dominante em cada sociedade se apropriou desse tesouro para se
justificar a si próprio, acabando por a institucionalizar. Até hoje. Estado e
Religião sempre estiveram unidos no mesmo projeto de domínio político, social e
económico, embora tacitamente façam tudo para dar a entender que agem
separados.
Na sua matriz, todas as religiões se baseiam nos
mesmos princípios e nos mesmos fundamentos, muitos deles herdados das religiões
primitivas que surgiram no Médio Oriente, há cerca de cinco e quatro mil anos,
embora as que sobreviveram ao desgaste do tempo tivessem de adaptar-se
doutrinariamente à evolução civilizacional das sociedades.
A antiga astrologia inspirou as narrativas e as
simbologias primitivas da ação das divindades, narrativas e simbologias essas
que foram sendo herdadas, com as devidas adaptações, pelas civilizações
posteriores. O judaísmo e o Cristianismo não fugiram à regra.
Ficheiros
secretos: Finlândia admite Grexit através da "aprovação silenciosa de
outros países"
Nota secreta foi divulgada esta quinta-feira
pela imprensa local. No documento, o ministro das Finanças finlandês já se
prepara para a saída da Grécia da zona euro. Antti Rinne alerta para o risco de
contágio da crise grega aos outros países no sul da Europa.
Quando a informação - relativa a questões
políticas e económicas, que deveria ser aberta e até pública, porque a
democracia assim o exige - circula em ficheiros secretos, é porque já não
existe a coragem de assumir a verdade. E a verdade, como se pode ver neste caso
da Grécia, é que a União Europeia e a moeda única assentam na mentira, uma
mentira que apenas serviu para encobrir um gigantesco processo de rapina, que
engordou as economias dos países mais ricos, através do engodo das ajudas
comunitárias e, posteriormente, da promoção acelerada do endividamento dos
países mais pobres do espaço europeu. As ajudas europeias (com os dinheiros de
todos os estados membros, que comparticipavam em sessenta por cento o custo dos
projetos) tinham por objetivo promover as exportações dos países mais ricos. Eu
dou um exemplo. Todo o alcatrão para a pavimentação das auto-estradas e
estradas, de Portugal foi importado da Alemanha. O equipamento pesado para a
construção civil também veio da Alemanha, na sua maior parte. Com mais
auto-estradas e com as facilidades, intencionais e enganadoras, de acesso ao
crédito ao consumo, promoveu-se a importação de mais veículos automóveis,
fabricados pela Alemanha e por mais três ou quatro países ricos da Europa. É
fácil de ver, com este exemplo, que através deste mecanismo o valor
acrescentado ficava na Alemanha e nas economias mais desenvolvidas. Com a
dívida dos estados dos países da periferia e a dos seus bancos, o esquema de
rapina foi o mesmo. Promoveu-se o endividamento para comprar mercadorias e
serviços aos países mais ricos e para arrecadar as elevadas mais-valias com os
juros.
Isto é a União Europeia. Uma grande
multinacional de negócios, que escapa ao escrutínio dos cidadãos, e que tem em
Bruxelas o seu conselho de administração. É evidente que a saída da Grécia da
zona euro é o sinal mais evidente da desagregação da UE, na qual só alguns
ainda acreditam. Os ingénuos e os oportunistas.
O retorno da dívida obrigacionista italiana a 52
semanas superou a rentabilidade da dívida obrigacionista portuguesa, que
liderou na zona euro até final de março.
Como se pode ver, o mercado das dívidas
soberanas é um negócio chorudo para o capital financeiro, que, através, dele obtém
um retorno com rentabilidades elevadas, que a economia real não possibilita.
Por isso, se construiu um sistema económico-financeiro baseado na dívida
rolante, em que, sucessivamente, os Estados contraem mais dívida para pagar as
dívidas anteriores. Neste jogo especulativo ganham as grandes potências
financeiras e os banqueiros.
Escrevo-lhe a desoras da Delicadeza. Há meses
que o Luís de Montalvor me fez chegar aos olhos o seu Livro. Embora o lesse sem
tardança, tenho demorado o agradecimento para além dos limites que se usam. A
licença poética não admite tanto. Eu tenho abusado do direito concedido aos
camaradas de responder longe de propósito. Começo a minha carta por lhe pedir
as desculpas a que este adiamento obriga.
Não sei que lhe diga do seu livro, que seja bem
um ajuste entre a minha sensibilidade e a minha inteligência. Ele é deveras a
obra de um Poeta, mas não ainda de um Poeta que se encontrasse, se é que um
Poeta não é, fundamentalmente, alguém que nunca se encontra. Há imperfeições e
inacabamentos nos seus versos. Vêem-se ainda entre as flores as marcas das suas
passadas. Não se deveriam ver. Do poeta deve ser o ter passado sem outro
vestígio que a presença das rosas. Para quê os ramos quebrados, ainda, e
partido o caule das violetas?
Eu não lhe devia dizer isto, talvez, sem
prefaciar que sou o mais severo dos críticos que tem havido. Exijo a todos mais
do que eles podem dar. Para que lhes havia eu de exigir o que cabe na
competência das suas forças? O poeta é o que sempre excede o que pode fazer.
O seu livro é dos mais belos que recentemente
tenho lido. Digo-lhe isto para que, não me conhecendo, me não julgue posto
sobre a severidade sem atenção às belezas do seu livro. Há em si o com que os
grandes poetas se fazem. De vez em quando a mão do escultor faz falar as curvas
nuas da sua Matéria. E então é o seu poema sobre o “Cais”, e o seu “Outono”, e
este e aquele verso, caído dos deuses como o que é azul no céu nos intervalos
da tormenta. Exija de si o que sabe que não poderá fazer. Não é outro o caminho
da Beleza.
Eu detalho.
Tenho vivido tantas filosofias e tantas poéticas
que me sinto já velho, e isto faz com que me dê o direito de o aconselhar, como
Keats a Shelley, que esteja de vez em quando com as asas fechadas. Há um grande
prazer estético às vezes em deixar passar sem exprimir uma emoção cuja passagem
nos exige palavras. Dos nossos jardins interiores só devemos colher as rosas
mais afastadas e as melhores horas e fixar só aquelas ocasiões do crepúsculo
quando dói demasiado sentirmo-nos. Nenhum poeta tem o direito de fazer versos
porque sinta a necessidade de os fazer. Há só a fazer aqueles versos cuja
inspiração é perfumada de imortalidade.
Escrevo e paro. Pergunto a mim-próprio se poderá
julgar tudo isto, porque não é transbordante de elogios, uma crítica adversa.
Não o conheço e não sei. Mas repare que só a quem muito aprecio eu escrevo
destas coisas. Decerto me faça justiça de crer que a quem não tem nenhum valor
eu digo imediatamente que tem muito. Só vale a pena notar os erros dos que são
na verdade Poetas, daqueles em quem os erros são erros. Para que notar os erros
daqueles que não têm em si senão o jeito de errar?
Com tudo isto, que parece hesitante no elogio,
repito-lhe que o seu livro é dos mais belos que ultimamente tenho lido. A sua
imaginação, doentia e delicada, é uma princesa que olha das janelas o luxo longínquo
dos tanques. Vejo que sente os repuxos. Eles são com efeito as melhores horas
da água, e decerto que os mais belos são aqueles, em jardins ainda do século
dezoito (e que nós nunca poderemos ver) .
A sua sensibilidade dói-me. Por certo que
outrora nos encontramos e entre sombras de alamedas dissemos um ao outro em
segredo o nosso comum horror à Realidade. Lembra-se? Tinham-nos tirado os
brinquedos, porque nós teimávamos que os soldados de chumbo e os barcos de
latão tinham uma realidade mais preciosa e esplêndida que os soldados-gente e
os barcos reais. Nós andamos longas horas pela quinta. Como nos tinham tirado
as coisas onde púnhamos os nossos sonhos, pusemo-nos a falar delas para as
ficarmos tendo outra vez. E assim tornaram a nós, em sua plena e esplêndida
realidade — que paga de seda para os nossos sacrifícios! — os soldados de
chumbo e os barcos de latão; e através das nossas almas continuaram sendo, para
que nós brincássemos com eles. A hora (não se recorda?) essa era demasiado
certa e humana. As flores tinham a sua cor e o seu perfume de soslaio para a
nossa atenção. O espaço todo estava levemente inclinado, como se Deus, por uma
astúcia de brincadeira, o tivesse levantado do lado das almas; e nós sofríamos
a instabilidade do jogo divino como crianças que apreciam as partidas que lhes
fazem, porque são mostras de afeição. Foram belas essas horas que vivemos
juntos. Nunca tornaremos a ter essas horas, nem esse jardim, nem os nossos
soldados e os nossos barcos. Ficou tudo embrulhado no papel da seda da nossa
recordação de tudo aquilo. Os soldados, pobres deles, furam quase o papel com
as espingardas eternamente ao ombro. As proas dos barcos estão sempre para
romper o invólucro. E sem dúvida que todo o sentido do nosso exílio é este — o
terem-nos embrulhado os brinquedos de antes da Vida, terem-nos posto na
prateleira que está exatamente fora do nosso gesto e do nosso jeito. Haverá uma
justiça para as crianças que nós somos? Ser-nos-ão restituídos por mãos que
cheguem aonde não chegamos os nossos companheiros de sonho, os soldados e os
barcos? Sim, e mesmo nós próprios, porque nós não éramos isto que somos...
Éramos duma artificialidade mais divina...
Perdoe-me que lhe escreva assim... A Vida,
afinal, vale a pena que se lhe diga isto. Deus escuta-me talvez, mas de si
ouve, como todos que escutam. A tragédia foi esta, mas não houve dramaturgo que
a escrevesse...
Fonte: PESSOA, Fernando. In “Correspondência
(1905-1922)”, Lisboa: Assírio & Alvim, 1999, p.150. / in "Páginas de
Estética e de Teoria Literárias. Fernando Pessoa". Lisboa: Ática, 1966. p.
135. /e TRIBUNA da Imprensa, Rio de Janeiro, 12-13 de Fevereiro de 1955, com o
título “Carta inédita de Fernando Pessoa a Ronald de Carvalho”. [mantida a
grafia original]
***«»***
Esta carta de Fernando Pessoa, assume-se como um
texto crítico e matricial, em que o grande poeta procura balizar as fronteiras
incomensuráveis da Poesia, desenvolvendo conceitos e fixando o cânone do
modernismo literário. Respiguei alguma frases, que me pareceram mais
significativas e emblemáticas:
"Um Poeta ... é, fundamentalmente, alguém
que nunca se encontra".
"O poeta é o que sempre excede o que pode
fazer".
"Dos nossos jardins interiores só devemos
colher as rosas mais afastadas e as melhores horas e fixar só aquelas ocasiões
do crepúsculo quando dói demasiado sentirmo-nos. Nenhum poeta tem o direito de
fazer versos porque sinta a necessidade de os fazer. Há só a fazer aqueles
versos cuja inspiração é perfumada de imortalidade".
"Pergunto a mim-próprio se poderá
julgar tudo isto, porque não é transbordante de elogios, uma crítica adversa.
Não o conheço e não sei. Mas repare que só a quem muito aprecio eu escrevo
destas coisas. Decerto me faça justiça de crer que a quem não tem nenhum valor
eu digo imediatamente que tem muito. Só vale a pena notar os erros dos que são
na verdade Poetas, daqueles em quem os erros são erros. Para que notar os erros
daqueles que não têm em si senão o jeito de errar?"
"Escrevo e divago, e tudo isto parece-me
que foi uma realidade. Tenho a sensibilidade tão à flor da imaginação que quase
choro com isto, e sou outra vez a criança feliz que nunca fui, e as alamedas e
os brinquedos, e apenas, no fim de tudo, a supérflua realidade da Vida..."
Em vez de falar sobre temas do Direito
Administrativo que não domina "de todo", juiz do Tribunal da Relação
de Guimarães optou por uma redação que "vai à volta".
Para nossa sorte, este juiz do Tribunal da
Relação de Guimarães teve o azar de deixar uma nota pessoal, num acórdão que
redigiu, desabafando - não sei se com a intenção de exprimir um protesto ou se
para justificar o seu desleixo - que, "de todo", não dominava os
conceitos do Direito Administrativo e que não tinha tempo para ir à biblioteca
consultar a jurisprudência nem dinheiro para comprar livros sobre a matéria.
Digo-vos que ia caindo da cadeira! E, depois de
dominar o espanto, comecei a interrogar-me se este caso era regra ou se era
exceção no nebuloso mundo da justiça, uma justiça que, para ser totalmente
independente dos outros poderes do Estado, tem o privilégio de
auto-administrar-se. Este estado de leviandade na justiça não será certamente
regra, mas também acredito que não seja exceção. E digo isto, porque,
recordando os fundamentos de alguns acórdãos, sentenças e decisões judiciais,
respigados da imprensa, fui consolidando a ideia de que parte da justiça
portuguesa navega ao sabor das circunstâncias e das conveniências (políticas,
pessoais ou de grupo). Ainda há dias, num processo de recurso interposto pela
defesa de José Sócrates, o juiz relator, em vez de citar os códigos,
permitiu-se - não sei se foi por não ter tido tempo de ir à biblioteca
consultar a jurisprudência ou se foi por falta de dinheiro para comprar livros
de Direito - recorrer com frequência a aforismos populares, do género,
"quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem",
expediente este que ajavarda a justiça.
Por último, e em relação ao juiz de Guimarães,
resta perguntar como é que ele conseguiu tirar o curso de Direito e ter passado
no crivo do Centro de Estudos Judiciários.
***«***
Amigo Alexandre,
Estou a abrir uma excepção ao
escrever isto, porque estou muito longe, mas o teu texto chamou-me a atenção e
tive que me servir do IPad, não porque discorde da matéria de facto que está
provada (o não conhecimento por parte do relator dp acórdão - que até é
bastante honesto ao manifestá-lo), mas sim dando uma achega para explicar estas
anomalias que, não sendo culpa dos juízes, são do sistema. Um, juiz de primeira
instância vai percorrendo um longo caminho onde se cruza com processos da mais
variada natureza. Depois, alguns deles que concorrem para tribunais específicos
- trabalho, administrativo, fiscal, cível, crime - ficam por vezes largos anos
a julgar apenas processos relacionados com a sua especialidade, perdendo por
completo o contacto com as outras vertentes do Direito. São, depois quando
concorrem a desembargadores, colocados onde há vaga. E isso é comum. A ilustrar
este sistema cretinoide, cego e sem ouvidos, vou desenvolver, a seguir, um dos
casos que é do meu conhecimento. Um bom amigo e antigo colega, foi, depois de
juiz de primeira instância, colocado num Tribunal do Trabalho, onde chegou
alguns anos após, a presidente do mesmo. Isto passou-se ao longo de cerca de 30
anos. Trabalho, trabalho e só trabalho. Quando concorreu a desembargador (o que
não queria), foi-lhe destinada uma vaga numa Vara Crime, em Lisboa. Encontrei-o
alguns meses depois e, numa conversa de café, manifestou o seu desagrado com o
sistema. Disse-me ele: "então eu andei toda a vida a estudar direito do Trabalho
e agora tenho que estudar ainda mais porque o Crime é um abismo para mim, os
advogados sabem mais que eu e para fundamentar os acórdãos estudo que nem um
danado.". Esse amigo hoje conselheiro, foi uma das vítimas do sistema. E,
quem pensar que os relatores na Relação e Supremo não trabalham, desiludam-se.
Trabalham e muito. Mas, certamente a isso se devem sentenças e acórdãos tão
díspares como o de um processo ser tratado de uma forma na 1ª instância, doutra
na Relação e de forma completamente diferente no Supremo. Mas, também há
realmente alguns juízes incompetentes mas felizmente são poucos, muito poucos,
muito menos do que se supõe. Mas há-os.
Joaquim
Pereira da Silva
***«»***
Amigo Joaquim:
Eu aceito essa perspetiva, que brilhantemente
enquadraste. A falta de especialização, ao nível dos magistrados, é uma lacuna
grave, que urge colmatar. Já há muito tempo que essa especialização está a ser
pedida pelos juristas mais lúcidos, para acabar de vez com a bizarria de ver os
juízes a inferiorizarem-se perante os advogados das sociedades de advogados e
os dos grandes gabinetes, onde essa especialização já está implantada. Uma
reforma do sistema de Justiça deveria começar por aqui. Ganhava-se em
eficiência e em tempo. Os juízes adquiririam mais bases para fundamentar as
suas decisões jurídicas e seria mais célere a tramitação do processo. Como é
que seria a prestação dos cuidados de Saúde, se não houvesse especialização
médica? Por isso, estou totalmente de acordo com o teu texto. Eu, na minha
curta intervenção, apenas pretendi isolar e fazer sobressair o lado insólito do
caso do juiz de Guimarães, para mostrar a degenerescência do sistema. Aliás, no
comentário que subscrevi, logo a seguir, eu afirmo: "A degradação é total.
Degradação política, económica, social, institucional, de valores (já vivemos
na fase do salve-se quem puder)". Foi pelo lado político que enquadrei a
questão. Amanhã irei publicar este meu texto no Alpendre da Lua, ao qual
acrescentarei o teu, se estiveres de acordo.
Boas férias. Pede o atestado médico aos pilotos
dos aviões que utilizares, antes do embarque.