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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Notações: Os Pobres ( I ) - de Almeida Garrett - Viagens na Minha Terra


Os Pobres ( I )

" ... ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazei caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, essas horas contadas de uma vida toda material, massuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente daquela que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai : reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai - No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana ? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico ? [ ... ] cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis. "
Almeida Garrett, in " Viagens na Minha Terra ", ( 1843)
Amabilidade da Dalia Faceira
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Ontem como hoje, o problema é o mesmo: são os ricos que precisam dos pobres, pois de outro modo não poderia haver ricos. A média da distribuição da riqueza entra na proporção dos oitenta, vinte. Vinte por cento da população dispõe de oitenta por cento da riqueza. Às formas clássicas de exploração, (a escravatura, a troca desigual, o colonialismo, etc.), juntou-se agora uma outra mais refinada, derivada em linha recta da globalização e da especulação financeira, e que até já permite, imagine-se, e jogando forte com o peso da dívida, que a pobreza possa ser decretada a um povo inteiro, através de aviltrantes programas de austeridade, embora, falaciosamente, os farisaicos mandantes e os subservientes executantes desses programas prometam para um futuro indeterminado "os amanhãs que cantam".

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