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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O encerramento da urgência psiquiátrica do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, gera protestos dos médicos.


Sindicato dos Médicos da Zona Sul/FNAM
NOTA À IMPRENSA

O encerramento da urgência psiquiátrica do Hospital Curry Cabral
e as suas consequências para os doentes.

Em consequência do programado encerramento da urgência do Hospital Curry Cabral no próximo mês de Outubro, a urgência de Psiquiatria do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL) a funcionar nesta unidade hospitalar, passará para a urgência do Hospital de Santa Maria, funcionando de forma conjunta com a actual urgência psiquiátrica deste hospital.

Assim, importa sublinhar as seguintes questões fundamentais:

1- De forma precipitada, associa-se o atendimento de uma população de cerca de dois milhões de habitantes, actualmente servidos pela urgência de psiquiatria a funcionar no Hospital Curry Cabral, ao atendimento de cerca de 350 mil, realizado no Hospital de Santa Maria.

2- Na urgência de psiquiatria do Hospital Curry Cabral dispunha-se de uma equipa constituída por 2 psiquiatras e 2 enfermeiros com prática de urgência psiquiátrica por turno, e de instalações adequadas, constituídas por 2 gabinetes para observação de doentes, 9 camas de SO (serviço de observação), onde se procurava estabilizar os doentes antes do transporte para o CHPL. Era frequente as camas de SO encherem ao longo das 12h diurnas de urgência, condicionando o transporte dos doentes do HCC para o CHPL após devidamente estabilizados.

3- O que nos é agora proposto é a ausência de uma sala de observações (porque o Hospital de Santa Maria nunca a teve) e a diminuição no número e na qualificação do pessoal de enfermagem (1 enfermeiro não especializado/turno), o que significa um marcado retrocesso no desenvolvimento da qualidade do atendimento aos doentes psiquiátricos.

4- Para a concretização desta urgência alargada e conjunta de Psiquiatria, está prevista a escala de um médico do CHPL e de um médico do Hospital de Santa Maria em cada doze horas, quando até aqui se encontravam escalados três médicos – dois no Hosp. Curry Cabral e um no Hosp. Stª Maria/12h.

5- A urgência de Psiquiatria do Hosp. Curry Cabral atende doentes da área de responsabilidade do CHPL, cobrindo ainda o atendimento dos doentes da região sul do Tejo, onde não existe urgência de Psiquiatria (Beja). Constitui, ainda, recurso para outras regiões onde o escasso número de médicos psiquiatras impossibilita o funcionamento permanente do serviço de urgência (Faro, Portimão, Almada, Portalegre, Setúbal) ou quando o número de camas hospitalares de psiquiatria se torna insuficiente para a cobertura à população.

6- A urgência de Psiquiatria do Hosp. Curry Cabral atende uma média de 30 doentes psiquiátricos/dia e uma média anual entre os 11.000 a 12.000 doentes. Interna uma média de 243 doentes/mês (8,1/dia) e realiza o maior nº de Internamentos Compulsivos, ao abrigo da Lei de Saúde Mental (30,4/mês).

7- De forma precipitada determina-se o funcionamento da nova urgência psiquiátrica em contentores, sem sala de observações (SO) e sem enfermagem psiquiátrica.

8- A especificidade dos doentes psiquiátricos de urgência, muitos deles agitados e agressivos, recusando internamento voluntário, determina a necessidade de ambientes tranquilos e adequados (segundo normas internacionalmente estabelecidas) e de equipas técnicas com formação, de forma a controlar as situações que podem oferecer risco para o doente e/ ou para terceiros. A prática do Hosp. Stª Maria, onde os doentes psiquiátricos permanecem nas mesmas salas de observação com doentes com outros tipos de patologia física, mostra claramente a falta de condições adequadas para servir os doentes psiquiátricos de urgência criando, ainda, um risco adicional de segurança para todos.

9- Como apoiar o elevado número de doentes que esta junção de urgências determina, sem apoio de uma equipa de enfermagem especializada e com prática de urgência psiquiátrica? Quem administra a prescrição das terapêuticas psiquiátricas, sobretudo em situações de agitação? O recurso às figuras de autoridade naquilo que é a prática clínica psiquiátrica, não deve ser generalizado e vulgarizado, só devendo ser usado em situações limite. A prática da psiquiatria de urgência deve ser garantida através do funcionamento de uma equipa médica e de enfermagem coesa e em condições físicas apropriadas ao seu funcionamento, de acordo com regras internacionais.

10- Questionamo-nos sobre onde vão permanecer os doentes em observação psiquiátrica até à estabilização clínica e aqueles que aguardam resultados de métodos complementares de diagnóstico ou de avaliação do foro médico. Como vamos garantir que os doentes estão psiquiatricamente capazes de serem transferidos? Como garantir a segurança do transporte para o CHPL?

11- Esta forma precipitada de associar duas urgências, ignora ainda que a grande maioria dos doentes observados na urgência de Psiquiatria do Hosp. Curry Cabral apresentam como hospital de referência para cuidados médicos/cirúrgicos gerais, o Hosp. de S. José e não o Hosp. de Stª Maria, o que irá determinar o transporte através da cidade de Lisboa de doentes psiquiátricos que necessitem, em simultâneo, de cuidados médicos ou cirúrgicos, pois é previsível que os médicos internistas e de outras especialidades não possam observar doentes fora de área de atendimento.

Está claramente em causa a qualidade de cuidados prestados, criando-se um retrocesso nas condições de funcionamento do serviço de urgência psiquiátrica, com a ausência de condições físicas/humanas adequadas.
É exigido aos médicos psiquiatras que façam urgência em condições que irão levar à má prática médica e ao desrespeito pelos direitos fundamentais dos doentes mentais.
Como tal, há que denunciar a leviandade desta decisão, que não atende aos pressupostos mínimos de garantia de qualidade de cuidados prestados, não garante a humanização do serviço nem a segurança de doentes/ terceiros, o que constitui um retrocesso ao século XIX na forma como os cuidados em Psiquiatria e Saúde Mental são encarados.
Os médicos psiquiatras não podem assumir qualquer responsabilidade decorrente da falta de condições deste serviço, no que respeita à má prática médica que daqui poderá decorrer, nem por qualquer acontecimento que possa colocar em risco a integridade dos doentes ou terceiros.
O Sindicato dos Médicos da Zona Sul/FNAM desenvolverá todos os esforços para que tais medidas gravosas não sejam implementadas e se desencadeie um processo de reflexão célere sobre as soluções mais adequadas às necessidades de prestação de cuidados numa área tão delicada como a psiquiatria.
Simultaneamente, serão adoptadas firmes iniciativas de denúncia pública de medidas deste tipo que são atentatórias dos direitos dos cidadãos.

Lisboa, 22/9/2011

A Direcção do Sindicato dos Médicos da Zona Sul/FNAM
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NOTA: Tijolo a tijolo, o governo, ao serviço da troika, vai desmantelando cirurgicamente o Serviço Nacional de Saúde. Os cortes são feitos às cegas, numa visão estritamente financeira, e não acautelando a qualidade dos serviços médicos e de enfermagem. O acesso dos utentes aos centros de saúde e aos serviços hospitalares já está a transformar-se num pesadelo social. Muitos doentes irão morrer precocemente por falta de assistência médica atempada. Os portugueses estão a ser confrontados com a sonegação de um direito básico, consignado pela Constituição - o direito à Saúde - que, presumo, ainda está em vigor. O Ministério da Saúde está a implementar uma política assassina e cruel, em obediência aos interesses do capitalismo financeiro.

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