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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Notas do meu rodapé: A armadilha da dívida

Imagem enviada por João Fráguas
Pode dizer-se que a dívida pública é tão velha como a moeda, que surgiu revolucionariamente no sec. VI a.c numa ilha jónica e se expandiu rapidamente pelo mundo de então, facilitando e dinamizando as trocas comerciais . Nem os monarcas dos grandes impérios prescindiram de contrair empréstimos para sustentar, na maior parte das vezes, os gastos perdulários a que se entregavam. O imperador Carlos V, da casa dos Hasburgos, soberano de Espanha, dos Países-Baixos e do Novo Mundo, foi largamente financiado pelo alemão Jacob Fugger, o maior banqueiro do séc. XVI.
Para lançar as infra-estruturas de desenvolvimento, os estados necessitaram sempre de contrair dívida, quer internamente, quer no exterior, já que as receitas provenientes dos impostos eram insuficientes. Em Portugal, na segunda metade do sec. XIX, assistiu-se a um dos períodos de maior endividamento, até então contraído, que foi utilizado essencialmente na construção dos caminhos de ferro, obra considerada essencial para desenhar um mercado uniforme, alargado a todo o território nacional, e que sustentasse a base da industrialização do país, que ainda se encontrava praticamente no estado em que a deixou o grande visionário e estadista, o Marquês do Pombal, um dos maiores governantes que Portugal teve na sua longa História. E foi esse endividamento colossal, que os governos da monarquia não conseguiram enquadrar, que precipitou a bancarrota e a suspensão do pagamento da dívida externa, em 1892, no que foi a maior crise financeira do país, nos tempos modernos, mas da qual se saiu, adoptando novas políticas orçamentais, que vieram novamente reanimar a economia. O estado de incumprimento não foi nenhum drama, assim como não seria um drama, tal como o professor de economia, Luciano Amaral, demonstrou recentemente, se na actual crise, que ainda vai ser mais grave do que aquela ocorrida em finais do sec. XIX, Portugal abandonasse a moeda única e exigisse a renegociação da dívida.
A natureza das dívidas soberanas actuais tem uma matriz  diferente da do período da industrialização. Por um lado, deixou de haver uma prudente contenção por parte dos estados, que começaram a recorrer ao endividamento para pagar despesas que deveriam ser suportadas, apenas pelos respectivos orçamentos. Por outro lado, a profunda financeirização das economias do mundo desenvolvido, possibilitada pela globalização e pela aplicação das doutrinas neoliberais, colocou a dívida no patamar das primeiras opções, para os estados, para as empresas e para as famílias, o que só foi possível com a reorganização do capitalismo financeiro internacional, que estruturou em rede os bancos de investimento e os bancos comerciais e promoveu a ascenção de uma classe política amestrada. Os bancos, aproveitando um longo período de taxas de juro baixas, estimularam e forçaram aquele endividamento e derivaram a sua actividade para as operações especulativas. Os resultados estão à vista. O colapso do sistema finaceiro só foi evitado com a recapitalização promovida pelos estados, com o dinheiro de contribuintes. Os accionistas dos bancos, que, anteriormente, já tinham acumulado fortunas, esfregaram as mãos de contentamento, pois alguém iria assumir o ónus, em vez deles.
A criação da moeda única também se inseriu nessa estratégia, cujo resultado final acaba invariavelmente por promover a transferência de riqueza dos países mais pobres para os países mais ricos, e, dentro de cada país, a tranferência de rendimentos oriundos do trabalho para os rendimentos do capital. As próprias ajudas comunitárias, concedidas com aparente altruísmo aos países aderentes, também vieram inculcar o "vício" da dívida, além de alcançarem o objectivo de construir novos mercados para o escoamento da produção dos países europeus mais industrializados. Como essas ajudas não cobriam a totalidade dos custos de cada projecto, os estados recorriam à dívida para o poderem executar. Não é pois, por acaso, que setenta por cento das exportações da Alemanha tem por destino o espaço europeu. Também não é por acaso que são os bancos alemães os grandes financiadores dos bancos e dos estados periféricos. Agora também já se percebe que é a Alemanha a grande beneficiária da crise orçamental dos países mais devedores. Com as taxas de juro a entrarem em estado paranóico, em pouco tempo, os valores cobrados pelos juros irão igualar o capital em dívida. Perante este quadro, atrevo-me a dizer que estamos perante um fascismo europeu de novo tipo, o fascismo financeiro alemão, que pretende subjugar a Europa com a ditadura do euro. Competirá aos povos e aos movimentos revolucionários libertarem-se da canga e da armadilha da dívida, não a pagando, ou, em alternativa, exigir a sua renegociação e o estabelecimento de um alargamento do prazo para a consolidação orçamental.

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