FEDERAÇÃO NACIONAL DOS MÉDICOS
A nova legislação sobre gestão hospitalar é a
negação de uma reforma e a aposta no aprofundamento dos esquemas clientelares
O DL nº 18/2017, publicado a 10/2/2017,
estabelece um novo quadro legal da gestão hospitalar aplicado a todas as
entidades que se encontram neste nível de prestação de cuidados de saúde.
Desde logo, importa denunciar a
gravidade do comportamento político do Ministério da Saúde ao enveredar por uma
atitude de afrontamento e de violação ostensiva dos direitos legais e
constitucionais das organizações sindicais, não submetendo à negociação este
diploma quando o seu conteúdo possui matérias que a isso obrigavam.
Apesar do clima geral de conflitualidade
verificado com as práticas e as medidas gravosas do ministério da saúde do
governo anterior, nunca tal situação de violação do próprio princípio da
negociação sindical se verificou.
A FNAM irá desencadear todas as
iniciativas legais para solicitar a declaração de ilegalidade deste diploma.
Quanto ao conteúdo do decreto-lei, e
independentemente da avaliação jurídica que está a ser desenvolvida para
posterior divulgação, entendemos indispensável transmitir, desde já, a seguinte
apreciação geral:
1 – Este diploma constitui uma
oportunidade perdida de estabelecer as bases de um entendimento alargado no
sector para desencadear uma indispensável e urgente reforma hospitalar em
estreita articulação com a reforma dos cuidados de saúde primários e outros
sectores de prestação de cuidados de saúde.
O Ministério da Saúde ao enveredar por
uma prática autocrática e por uma acção política de aberta hostilização das
organizações sindicais de todo o sector da saúde criou obstáculos de difícil
superação para encontrar soluções que são urgentes para o sector hospitalar e
para a sustentabilidade do próprio SNS
O conteúdo do decreto-lei é uma mera
reedição da generalidade da legislação anteriormente em vigor, compilando
anteriores diplomas e agravando em múltiplos aspectos uma concepção de gestão
militarizada das unidades hospitalares.
Por outro lado, verificamos que até a
designação de uma estrutura intermédia de gestão a criar, o CRI, revela uma
profunda ignorância dos autores do articulado, ou seja, ao designarem essa
estrutura como “centro de responsabilidade integrada”, quando a designação
correcta é centros de responsabilidade integrados, tendo em conta que não é a
responsabilidade que é integrada, mas são os centros que são integrados porque
têm como uma das principais missões integrar serviços e funções.
Importa lembrar, que em 1999 foi
publicado o DL nº 374/99, onde foram criados, pela primeira vez, os CRI, como
uma forma de agregação funcional e de uma mais adequada departamentação de
serviços.
Esse decreto-lei foi negociado com a
então ministra da saúde Drª Maria de Belém ao mesmo tempo que o diploma das
USF, estabelecendo como forma inovadora uma política de incentivos em função da
concretização de objectivos contratualizados, sendo mais tarde revogado pelo
ex-ministro Luís Filipe Pereira.
2 – Dentro da compilação da legislação
anterior, este novo diploma abrange todas as unidades hospitalares, centros
hospitalares, unidades locais de saúde (ULS) e inclusivé as PPP.
É elucidativo que defina como um dos
instrumentos do financiamento das unidades hospitalares o modelo de “capitação
ajustada pelo risco”, modelo este importado das H.M.O. americanas e que tanta
polémica tem suscitado.
O artº 9º estabelece a recriação dos
CRI, mas não faz qualquer referência à departamentação, nem a uma política de
incentivos salariais.
Simultaneamente, estabelece no artº 10º
a aplicação obrigatória da “exclusividade de funções” que é um regime de trabalho
que já não existe a nível da Carreira Médica para novos contratos desde 2009.
No entanto, esta aplicação obrigatória
da exclusividade de funções possui logo a seguir uma redacção directamente
destinada aos “amigos” clientelares ou referir que “salvo em situações
excepcionais autorizadas pelo conselho de administração”.
Muito claro nos seus propósitos!
3 – Refere a existência de estruturas
como os “Centros Académicos Clínicos” e da “Comissão Nacional para os Centros
de Referência” cujo papel não é perceptível
nesse articulado.
4 – Quanto aos processos de recrutamento
refere que se devem caracterizar pela “igualdade de oportunidades,
imparcialidade, boa-fé, não discriminação e imparcialidade” para logo a seguir
acrescentar “excepto em casos de
manifesta urgência devidamente fundamentada” (artº 28º).
Mais uma vez uma excepção para passar a
ser a regra?
5 – Cria uma nova disposição ao
estabelecer que os directores de departamento e de serviço têm de estar
inscritos nos colégios da especialidade da Ordem dos Médicos (artº 28º).
E quanto à nomeação dos directores de
serviço “ devem ser objecto de aviso público, de modo a permitir a manifestação
de interesse individual” (artº 28º).
Ou seja, ao contrário dos apregoados
propósitos de implementar concursos públicos para o preenchimento dos cargos, é
definida uma curiosa modalidade de “aviso público” como se isso fosse
impedimento para a manutenção das nomeações político-partidárias.
E como se a tal manifestação de
interesse individual tivesse algum efeito prático, mais parecendo uma nota de
humor.
6 – No Anexo II, no respectivo artº 6º,
está prevista a limitação dos cargos dos órgãos de gestão a dois mandatos, o
que sendo uma inovação não aparece inserida em nenhum contexto de reformulação
organizacional e de descentralização do processo de decisão.
Nas competências do conselho de
administração surge a disposição de “definir as políticas referentes a recursos
humanos, incluindo as remunerações dos trabalhadores” (artº 7º).
Deixará de haver negociações salariais e
de contratação colectiva ficando as remunerações dependentes das administrações
de cada unidade hospitalar?
7 – Os directores clínicos poderão
acumular com a actividade assistencial remunerada mediante autorização do
ministro (artº 13º).
Depois da experiência de largos anos com
esta promiscuidade de actividades, este diploma volta a instituir a mesma
disposição.
Para os profissionais a inserir em CRI é
obrigatória a chamada “exclusividade de funções” e para os nomeados políticos
nas administrações e direcções clínicas já é possível acumular com actividade
privada.
E no Anexo III, artº 6º, relativo às ULS
até podem ser nomeados dois directores-clínicos dentro do mesmo conselho de
administração.
8 – A FNAM desenvolverá todos os seus
esforços na contestação a este diploma e à forma como foi publicado em clara
violação do direito constitucional à negociação sindical.
Estamos perante uma grave situação de
degradação dos serviços públicos de saúde e do SNS, que urge pôr cobro!!!
Lisboa, 13/2/2017
A Comissão Executiva da FNAM
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