O ESTADO
NÃO É MEU PAI... OU É?
O princípio de Stuart Mill (J. Stuart Mill, A
Liberdade, 1859) à luz do qual o Estado apenas deve interferir na liberdade de
ação dos cidadãos quando o exercício dessa liberdade prejudica os
demais: "A liberdade de um indivíduo deve assim ser limitada: não
deve ser prejudicial aos outros" embora permaneça actual e invocável é
passível de ser interpretado no contexto das obrigações do Estado do secúlo
XXI. Com efeito, se quem decide fazer de forma impensada uma tatuagem se
prejudica a si mesmo e apenas a si, o mesmo já não vale para quem consome de
forma desregrada produtos com alto teor de sal - os tais sujeitos à dita
"fat tax" - para quem fuma ou para quem não faz exercício físico. No
limite, pode perguntar-se: é legítimo que aqueles que levam uma vida regrada
paguem os custos acrescidos do Serviço Nacional de Saúde impostos por aqueles
que não o fazem? Ou, pelo contrário, será essa uma das muitas contingências da
vida em sociedade?
FRANCISCA ALMEIDA
***«»***
O que se esconde por detrás de todos estes
argumentos da autora, é o grande objetivo do imperialismo e do capitalismo
financeiro internacional em pretender formatar as sociedades, a nível global, pela grelha
neoliberal e conservadora, remetendo o Estado para a mera gestão das funções de
soberania e entregando à iniciativa privada a gestão de todas as atividades
económicas, sociais e culturais, que assim ficariam sujeitas à sagrada lei da
oferta e da procura e ao princípio do utilizador/pagador. Em vez de sociedades
minimamente solidárias, criar-se-iam sociedades ferozmente competitivas, onde
prevaleceria a lei do mais forte. Cada cidadão ficaria entregue ao seu mérito e
à sua sorte. Se nascesse incapaz, a culpa seria dos pais, que deveriam ter
feito um teste genético (pago do seu bolso, naturalmente) antes de pensarem ter
um filho. Se o cidadão contraísse uma cirrose, porque era alcoólico, ou
contraísse um cancro no pulmão, porque era fumador, não teriam de ser os outros
cidadãos a pagar os respetivos tratamentos. Mas, se aquele cidadão contraísse o
cancro pulmonar, devido aos gases tóxicos emitidos pelas chaminés de uma
fábrica de produtos químicos, ninguém iria lembrar-se de exigir uma
indemnização aos proprietários daquela fábrica, assim como ninguém iria
lembrar-se de exigir responsabilidades pela existência de uma criança anormal,
ao produtor daquele preservativo que se rompera, durante uma relação sexual do
casal progenitor, que, anteriormente, tinha sido aconselhado a não procriar, depois de se ter
submetido a um exame genético.
Por mero interesse do lucro dos grandes grupos
económicos e financeiros, os doutrinários fundamentalistas do neoliberalismo
pretendem diluir a responsabilidade coletiva de uma sociedade e aprofundar até
ao limite a responsabilidade individual de cada cidadão. Apliquemos esta visão
corrosiva e distorcida a uma equipa de futebol, com os avançados da equipa
derrotada a reclamarem o prémio do jogo, porque, tendo marcado dois golos,
consideraram que a culpa da derrota teria sido dos defesas e do guarda-redes,
que permitiram a concretização de três golos pela equipa adversária.
Os ardilosos argumentos da "fat tax", que pretendem incutir um
falso princípio de uma nova justiça social, baseado no paradigma
fundamentalista de que, em todos os domínios estruturantes da esfera social, cada um tem o que merece e que cada um tem de pagar o
que usa e possui, não resistem ao confronto com os princípios humanistas
que as sociedades desenvolveram ao longo da História, embora, como se sabe, as
classes possidentes sempre os tivessem tentado torpedear. E faço a simples
pergunta: Como é que uma sociedade organizada no modelo neoliberal resolvia o
problema de uma criança talentosa, que, revelando elevado mérito nos primeiros
anos de escolaridade, não poderia, entretanto, prosseguir os estudos por
insuficiência de meios financeiros de seus pais? O Estado dava a essa criança
um cheque-ensino, diria o inefável Paulo Portas, julgando ele que estava a
salvar a honra do convento. E eu responderia: mas, por que carga de água,
vivendo eu numa sociedade do Estado mínimo e do lucro máximo, tenho de pagar
dos meus impostos a formação daquela criança talentosa? Por uns instantes,
Paulo Portas julgaria ter demonstrado a superioridade moral do Estado
neoliberal, de natureza individualista, sobre o Estado Social, de natureza
coletivista, que eu defendo, por considerar ser mais equitativo e mais justo,
ao disponibilizar serviços de âmbito social (Educação, Saúde e Segurança
Social) a todos os cidadãos, em plena igualdade de condições. E aqui, já não
discuto a justeza do pagamento dos meus impostos, para esse fim...
Publicado no Notícias de Ourém, 24 de Julho de 2014
Publicado no blogue "CDU- Por Ourém", 28 de julho de 2014
Publicado no Notícias de Ourém, 24 de Julho de 2014
Publicado no blogue "CDU- Por Ourém", 28 de julho de 2014
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