O sindicato que convocou a greve de médicos para
terça e quarta-feira denuncia um clima de medo e perseguição, mas garante que
isso não o impedirá de lutar contra "a destruição" do setor, ponderando
novos protestos.
Em entrevista à agência Lusa, Mário Jorge Neves,
dirigente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) disse que a classe está hoje
confrontada com "uma situação dramática de ameaça da própria subsistência
do Serviço Nacional de Saúde (SNS)" e garantiu que nada faria a FNAM
voltar atrás no protesto.
"A política que tem vindo a ser
desenvolvida de forma até encoberta, dissimulada, é uma política que visa
desarticular e destruir os serviços públicos" de saúde.
Mário Jorge Neves denuncia que "os médicos
sofrem hoje múltiplas restrições no seu desempenho profissional, estão
confrontados com limitações ao exercício pleno das suas funções profissionais e
sentem que cada dia que passa a qualidade assistencial se vai degradando e a
capacidade de resposta dos serviços vai diminuindo".
O sindicalista disse conhecer relatos
"dramáticos" de escassez de material e, conta que, recentemente,
esteve num hospital em Lisboa onde são os médicos que compram papel higiénico.
"Esta é uma situação que, em 40 anos de
democracia, nunca tinha sido vivida desta forma dramática".
Para a FNAM, além dos efeitos da austeridade, o
setor debate-se com iniciativas governamentais que se "traduzem na criação
de problemas extremamente graves, como a famigerada portaria da chamada
categorização dos hospitais que, se for aplicada, representa o encerramento de
27 maternidades, vários serviços em múltiplos hospitais, o desaparecimento da
rede pública de vários hospitais e até de duas especialidades médicas"
(estomatologia e a endocrinologia).
Também a chamada "lei da rolha" motiva
protestos da FNAM, à qual atribui parte do "clima de medo" que os
médicos hoje vivem.
"Esta postura do Ministério da Saúde de
criminalização da denúncia do mau funcionamento dos serviços e do impacto que
isso tem na segurança da prestação de cuidados para os utentes é mais um buraco
negro no nosso sistema democrático", aponta.
Segundo o sindicalista, "perante uma
situação geral destas, que inevitavelmente arrasta problemas sócio
profissionais delicados, e porque o Ministério da Saúde não tem primado por um
diálogo e por uma negociação séria, sentimos que, estando bloqueada a situação,
e aumentando sistematicamente as ameaças ao próprio futuro do SNS, não tínhamos
alternativa senão enveredar por formas de luta".
Dois anos após a greve de médicos que juntou os
dois sindicatos -- FNAM e Sindicato Independente dos Médicos (SIM), o último
agora fora deste protesto -- e reuniu milhares de clínicos frente ao Ministério
da Saúde, as batas brancas voltam ao mesmo local, com o apoio da Ordem dos
Médicos.
Para a concentração no primeiro dia do protesto,
a FNAM apela ao apoio da população: "A maior prova de solidariedade seria
a participação da população junto das batas brancas", disse Mário Jorge
Neves.
A propósito deste apelo, o dirigente sindical
garantiu que "os cidadãos podem contar com os médicos como seus principais
aliados para voltarem a ter um serviço público de saúde de qualidade".
"Não é agora, a dias da greve, que terá
qualquer credibilidade uma iniciativa tendente a desbloquear esta forma de
luta. Não vamos correr riscos com pessoas que sabemos, à partida, que não
cumpriram durante dois anos com a sua palavra nem com os documentos
assinados".
Sobre o que acontecerá após a greve, o
sindicalista disse que "se o Ministério persistir nesta postura,
continuaremos a trabalhar para manter o processo reivindicativo que terá
tendência a uma radicalização crescente. Até onde, não sabemos".
Outras formas de protesto podem passar por
demissões em bloco, como as ocorridas no Hospital de São João, no Porto, ou a
continuação da denúncia de situações graves no setor, exemplificou.
"Naturalmente que não ficaremos por aqui,
porque estamos a lidar com uma situação que é na sua essência dramática e que,
para muitos cidadãos, pode ter a ver, não só com aspetos de qualidade de vida,
mas também com a diferença entre a vida e a morte".
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Como já temos aqui afirmado várias vezes, esta
greve dos médicos, convocada pelos sindicatos da FNAM, não é uma greve determinada
por reivindicações salariais. Também não é uma greve partidária, como alguns
pretendem fazer crer. Mas é, sem dúvida, uma greve política. Política, no
sentido mais nobre da palavra, já que ela tem como único objetivo defender com
grande determinação um bem público e um direito constitucional. O bem público é
o Serviço Nacional de Saúde (SNS), e o direito constitucional é o direito que
garante o acesso, em plena igualdade de circunstâncias, de todos os cidadãos
portugueses a todos os cuidados de saúde disponíveis, e que se designa por
Direito à Saúde. E a sua oportunidade é evidente, já que se perceberam as
intenções ocultas deste governo em esvaziar de sentido aquele bem público e
aquele direito.
A degradação progressiva dos serviços
hospitalares e dos centros de saúde está a atingir o limite da rutura. A
drástica limitação ao recurso aos meios auxiliares de diagnóstico e aos meios
terapêuticos coloca em risco a saúde e a vida dos doentes. Como diz
exemplarmente o médico e dirigente sindical, Mário Jorge, é uma situação que
tem a ver “não só com aspetos de qualidade de vida, mas também com a diferença
entre a vida e a morte".