Amabilidade de João Fráguas
A propósito deste tema, remeto o leitor para o meu apontamento em Notas do meu rodapé de 19 de Janeiro de 2013, que a seguir transcrevo:
As causas remotas da crise financeira internacional
Qualquer acontecimento (na
vida, na política, na economia e em tudo) tem causas e consequências. E a atual
crise económica e financeira internacional também teve causas, as próximas
(mais conhecidas) e as remotas (pouco divulgadas e pensadas), embora os corifeus
do sistema tentem apresentá-la como se de um fatalismo se tratasse,
imprevisível e inevitável, sem culpados e sem tratantes. E o excesso de
liquidez, ocorrido a partir dos finais dos anos setenta, é uma das causas
remotas da crise. Aquele aumento de liquidez resultou de vários fatores: da
enorme acumulação de capitais nos bancos dos EUA, proporcionada pela remessa de
avultados lucros proporcionados pela deslocalização das indústrias para a Ásia;
da então recente formação dos off shore financeiros, em diversas
partes do mundo, a fim de captar poupanças dos países menos desenvolvidos; da
decisão unilateral da desvinculação do dólar do padrão ouro, para poder
valorizar especulativamente aquela moeda; e, também, pelo facto dos pagamentos do
petróleo a nível internacional começarem a ser feitos em dólares, por imposição
dos EUA (houve, nesse sentido, uma negociação do governo dos EUA com a Arábia
Saudita e com outros países árabes do Golfo).
Neste novo quadro, concebido
pelos arquitetos do neoliberalismo, os EUA, cujo Tesouro saiu depauperado da
guerra do Vietname, reforçaram a liderança económica e financeira a nível
planetário, liderança essa que agora está a ser seriamente ameaçada pela
ascensão meteórica e sustentada da fulgurante economia chinesa.
Para rentabilizar rapidamente o
dinheiro, e uma vez que a economia, já amputada pelo efeito da deslocalização,
não podia absorvê-lo na forma de créditos às empresas, os bancos americanos
conceberam então a máquina financeira de multiplicar o dinheiro: o subprime.
Iniciou-se um processo gigantesco de crédito fácil e de risco, às famílias,
para a compra de casa própria. Os respetivos títulos, sem que os operadores se
questionassem sobre o seu valor real, entraram no jogo da roleta da Bolsa de
Valores, dando origem à economia de casino. Parecia que o mundo nunca iria
acabar, pois todos ganhavam dinheiro a rodos, com destaque para os bancos e os
seus acionistas, que trataram de colocar os seus dividendos em
lugares seguros, não fosse o céu desabar. E tinha que desabar, pois toda aquela
sumptuosa riqueza era falsa, uma vez que não tinha sustentabilidade na economia
real.
E o que se seguiu, já é
conhecido. Falência em cadeia do sistema financeiro americano, que foi salvo
pelos impostos dos cidadãos, num processo injusto e escandaloso da socialização
dos prejuízos. Os acionistas dos bancos, os verdadeiros donos do mundo,
ganharam mais uma vez.
Como esta crise era estrutural
e não conjuntural, e como a globalização aumentou a interdependência das
economias mundiais, a Europa não poderia passar incólume ao seu efeito
sistémico, principalmente os países periféricos, onde o subprime foi
incrementado. No entanto, existe uma diferença entre o que aconteceu nos EUA e
na Europa. Por um lado, a liquidez dos bancos europeus não atingiu o nível dos
seus congéneres norte-americanos, que muito beneficiaram com a
internacionalização do dólar. Por outro lado, a economia europeia começou a
viver um processo económico autofágico, a viver para si própria (e este é
o seu verdadeiro problema). Basta dizer que a Alemanha só exporta para o
exterior do espaço europeu trinta por cento do total das suas exportações. Por
outro lado, na Europa, a Alemanha e a França exportaram o subprime para os
países periféricos, promovendo o endividamento agressivo desses países. Tal
como aqui denunciámos (ver esta hiperligação), a Alemanha, num processo inédito de
engenharia financeira, e violando o Tratado de Maastricht, emitiu uma
quantidade enorme de dinheiro (marcos, depois convertidos em euros), que escondeu em depósitos bancários, tendo-o
utilizado, posteriormente, para forçar subtilmente o endividamento de Portugal,
Espanha e Grécia (a Itália defronta-se, principalmente, com o problema da dívida
interna), países que agora se encontram submetidos, por imposição da
Alemanha e de alguns países ricos da UE, a uma dura, penosa e asfixiante
austeridade, cujo obejetivo declarado será a promoção da redução dos seus
défices orçamentais, num horizonte temporal muito curto.
Adenda: Recebi do meu sobrinho, João
de Castro Mota, a seguinte observação, que acrescento aqui:
"Deixe-me só acrescentar
um elemento à sua análise: para além da criação das offshores, da queda do
padrão ouro, e de todos os factores que menciona, tomei conhecimento de outro
elemento no excelente livro http://www.webofdebt.com/.
A reserva federal americana tem andado a suportar as bolsas de valores nos EUA.
De todas as vezes que parece que vai haver um "crash" na bolsa de
valores, isso nunca acontece (seriamente). Por exemplo, não aconteceu com os
atentados de Londres ou das torres gémeas. Nessas alturas, a Reserva Federal
cria dinheiro e envia-o para fora do país (de modo a parecer um investidor
exterior) e compra acções nas bolsas, de modo a parecer que a confiança está em
alta".
*
Ver também aqui
2 comentários:
A China é o maior credor da dívida americana
E,ajuizadamente, desde o início da crise financeira, em 2008, a China está a vender os ativos da dívida americana, em seu poder, para investir no setor agro-alimentar, em Africa e na América do Sul, a fim de garantir, no futuro, a alimentação da sua população. Angola é um dos destinos desses avultados investimentos. Com esta estratégia, a China também fica resguardada de um previsível terramoto financeiro global, que venha a ocorrer, libertando-se assim de uma moeda que poderá vir a sofrer uma forte desvalorização.
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