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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Notas do meu rodapé: A cabala contra as agências de rating esconde a natureza do sistema e as suas contradições


A vozearia levantada contra a agência de rating Moody's, a propósito da sua notação negativa dada a Portugal, roça o ridículo e ultrapassa o inimaginável. Assistiu-se nos últimos dias a um delirante coro de protestos, grotescos na forma e irracionais no conteúdo, que só tem paralelo, na história recente, com aquelas campanhas orquestradas contra o comunismo e a antiga União Soviética. A última "bacorada", publicada na imprensa de hoje, vem da comissária europeia para a Justiça, Viviane Reding, que propõe o desmantelamento das três principais agências de rating norte-americanas, a Standard and Poor’s, a Moody’s e a Fitch, como se fosse possível, à luz do Direito, extinguir desta forma bizarra uma empresa privada, sendo que, neste caso, tinha como agravante o facto de se tratar de três empresas sediadas num país estrangeiro, por sinal a maior potência do mundo. Mas, já antes, várias personalidades políticas e os comentadores encartados do sistema, alimentando por má fé esta campanha de intoxicação da sempre desprevenida opinião pública, caíram no ridículo bacoco, ao falarem de terrorismo e de uma guerra aberta entre o dólar e o euro, possivelmente desencadeada pelo governo do velho aliado da Europa, os Estados Unidos. Outros, perseguindo o mesmo objectivo de esconderem o sol com a peneira, avançaram com a ideia de que os dirigentes da União Europeia e os dos países periféricos deveriam assobiar para o lado e desvalorizar as notações financeiras daquelas agências.
Nestes últimos dias viveu-se um verdadeiro espírito de cruzada medieval, em que não faltou o apelo ao patriotismo primário dos tempos de Salazar. Procurou-se histericamente encontrar um inimigo externo que escondesse as fragilidades internas, as de Portugal e as da própria União Europeia. Estes patriotas de pacotilha são os mesmos que aplaudiram a aceitação passiva e humilhante, por parte de José Sócrates, Passos Coelho e Paulo Portas, do execrável memorando da troika, formada pela União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, e que ameaça o futuro de Portugal. De traidores declarados, pretendem agora alcançar o estatuto de impolutos patriotas. Até o inquilino de Belém entrou na festa e não sei se ele foi ao baú das recordações desenterrar a farda e os galões de alferes miliciano contabilista, do tempo da Guerra Colonial. O novo primeiro-ministro, Passos Coelho, que na demagogia parece não ficar atrás do seu predecessor, declarou que iria governar, ignorando por completo a opinião das agências de rating, como se esta afirmação as fosse beliscar no seu estatuto, levando os mercados financeiros a prescindirem do seu trabalho. É uma afirmação gratuita, uma mera bravata, já que os mercados financeiros é que impõem as regras aos políticos, baseados nas informações daquelas três agências. O próprio BCE não prescinde do seu parecer, também agregando agora o contributo da agência canadiana DBRS, para dar luz verde à compra de títulos de dívida pública dos estados membros, no mercado secundário. E, no entanto, existem no mundo muitas centenas de agências de rating (uma das quais é portuguesa, a Companhia Portuguesa de Rating, da empresa Saer) e que no seu conjunto apenas detêm 5% do negócio. E esta assimetria é fácil de explicar, pois a Standard and Poor's, a Moody's e a Fitch foram escolhidas  como referência, nos EUA, em 1975, pelo órgão regulador do sector, a Securities and Exchange Commission (SEC). Recorde-se que a União Europeia, há cerca de um ano, criou um regulador de agências de rating, a European Securities and Markets Authority (ESMA), cuja actividade parece ser, como os factos parecem demonstrar, totalmente irrelevante, tal como seria irrelevante criar uma agência de rating europeia, na qual os mercados financeiros não acreditariam, por serem demasiado evidentes os conflitos de interesses. Isto seria a mesma coisa de ver as associações empresariais portuguesas, desgostosas com as opiniões desfavoráveis da DECO, em relação a alguns produtos e serviços, a tomar a iniciativa de criarem uma associação independente(?) de consumidores. No mínimo, seria caricato.
Os furibundos ataques dirigidos contra as agências de rating deveriam ter sido canalizados contra o iníquo sistema financeiro internacional, cujos centros nevrálgicos estão sediados em Nova Iorque e em Londres e onde se organizou a gigantesca operação das actividades especulativas, as mais rentáveis fontes de rendimentos, atraindo capitais de todo o mundo, que teriam sido úteis para o desenvolvimento dos países da sua origem. Se os biliões de euros, provenientes dos lucros das grandes empresas, dos dividendos dos grandes accionistas e das mais valias bolsistas, não fossem anualmente exportados, através dos off-shores, para esses centros financeiros, Portugal não teria entrado em crise. Jogando à defesa, para esconder a fragilidade do euro, o tal gigante de pés de barro, que os países ricos da União Europeia pretendem salvar à custa dos países da periferia, os dirigentes políticos e os comentadores afectos ao sistema elegeram as agências de rating como bode expiatório, salvaguardando na sua denúncia as responsabilidades do grande capital financeiro e ocultando-lhe as suas contradições.
As agências de rating são as guardas avançadas do sistema e, naturalmente, estão imbuídas dos mesmos vícios dos clientes a quem prestam os seus serviços (desde a década de setenta, são os países devedores a pagar a factura do seu trabalho), empolando marginalmente as situações a seu favor.  E a sua função principal na vigilância da dívida soberana dos estados consiste em proceder à avaliação da capacidade da economia de cada país em assegurar, no futuro, o seu respectivo pagamento. Quem olhar para a economia portuguesa e para a sua evolução nos próximos anos, então completamente arruinada pelo rolo compressor das medidas de austeridade, perceberá facilmente que a situação de recessão irá prolongar-se por mais de uma década. Tal como os generais franceses e alemães pensavam em 1914, que o conflito iria ser resolvido numa questão de semanas (a I Grande Guerra Mundial durou quatro anos), também os actuais dirigentes europeus e os políticos e economistas neoliberais acreditam (ou simulam acreditar?) que a economia portuguesa, depois do empobrecimento da população, que provocará uma acentuada baixa do nível salarial dos trabalhadores, irá criar excedentes, através do incremento das exportações, gerando riqueza suficiente para pagar as dívidas contraídas e os seus juros exorbitantes. E é neste quadro normativo que as agências de rating elaboram as suas análises. Já em Abril deste ano a Standard and Poor's afirmava, e sem ter sido contestada, tal como foi a Moody nos últimos dias, que a economia terá de recorrer em 1913 ao empréstimos da UE (mais sacrifícios para os portugueses), através do Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, já que a economia irá contrair 3,2 por cento, até 2012. É uma quebra acentuada, que não se recupera de um ano para o outro.  E esta análise pessimista é corroborada por muitos economistas não alinhados, incluindo dois nobilizados, já aqui citados várias vezes.
Perante este quadro, impõe-se questionar quem são os verdadeiros terroristas.

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