A bivalência da coisa
Era de prever este golpe. Na altura em que
Centeno tomou posse, como presidente do Eurogrupo, eu escrevi uma coisa, mais
ou menos assim:
"Como é que Centeno vai conciliar o seu
discurso em Bruxelas com o discurso do Terreiro do Paço"? Passados uns
dias, cheguei à conclusão que o próprio António Costa estava na mesma onda, a
jogar na mesma ambiguidade. E, na realidade, nesta metade do mandato, Centeno e
Costa entregaram-se à tarefa de fazer um número de ilusionismo, dando por um
lado e tirando por outro lado. Designei o governo, como o governo do “tira e
põe”.
Só que, os profissionais da Saúde resolveram
partir a loiça, fazendo um grande estardalhaço, e ponde a nu as carências e os
graves problemas do sector, que só poderão ser resolvidos com uma inversão da
política que o governo está a seguir, de inteira submissão a Bruxelas, e,
política esta, que não vai mudar, como já se percebeu, limitando-se apenas, e mais
uma vez, a ir tapar buracos com provisórios remendos, a fim de calar as vozes
dissonantes.
Com o PCP a afirmar que vai ser crítico, mas que
não quer a ruptura e um BE, que anda um pouco desorientado para encontrar uma
estratégia para resolver este dilema, e,
também, com um PSD fragilizado (e que fique muitos anos assim), António Costa
pode fazer a política que Bruxelas e Berlim apoiam e pretendem. Com as próximas
eleições no papo, o próximo mandato governamental será cada vez mais europeísta,
continuando a governar-se à volta da centralidade do défice, e da dívida, dívida
que nunca poderemos pagar, a não ser que Portugal venha a ser o Benim da
Europa, depois de perder a maior parte de tudo que ganhou no passado.
Já me chamaram “pessimista doentio”, mas eu
julgo que tenho razão. Armadilhado com o euro e com a dívida, Portugal não vai
ter o futuro, mil vezes prometido. E não sei, até, se poderá continuar a ser um
país viável.
E na minha avenida, em Lisboa, vejo cada vez
mais pedintes e pessoas a dormir, debaixo dos alpendres, o que, à semelhança do
que aconteceu no passado, é, para mim, um sinal premonitório da crise, que vem
aí.
Nem a santa de Fátima nos salvará.
Alexandre
de Castro
2018 04 10