Vem aí mais um "Mecanismo"
europeu, o Mecanismo de Insolvência de Soberanos…
Em 2015, a economia portuguesa cresceu
1,5 por cento, em relação ao ano anterior, valor este que se atingiu, devido
essencialmente ao aumento do consumo, proporcionado oportunisticamente, em ano
de eleições, pelo governo de direita, que por este meio procurou captar votos,
ao atenuar ligeiramente a dura austeridade, imposta nos três anos
anteriores do seu mandato.
As exportações também aumentaram, e a
explicação encontra-se no aumento da competitividade externa, promovida por uma
gigantesca desvalorização salarial (cerca de 20 por cento), que
incidiu sobre os trabalhadores do sector público e do sector privado.
No entanto, falharam os objectivos em
relação ao investimento, quer o investimento externo, quer o investimento
interno, o que demonstra que não é unicamente através da desvalorização do
trabalho que se atraem os capitais. Para além disto, grande parte do
investimento externo foi conseguido, através da concessão dos vistos gold, que é um investimento
pouco produtivo, porque se trata apenas de uma transacção comercial de bens
imóveis de luxo, já construídos, e que, por isso, não acrescenta valor, não
aumenta a riqueza nacional, nem aumenta o emprego.
Perante tão modesto crescimento da
economia portuguesa, apesar de ter sido o maior aumento percentual dos últimos
anos, eu pergunto como é que irão gerar-se recursos financeiros suficientes
para pagar a colossal dívida pública externa? É que, se bem me lembro, no tempo
da troika e do seu famigerado “Memorando”,
alguém qualificado fez as contas e chegou à conclusão de que, para pagar os
empréstimos do resgate à Comissão Europeia, ao BCE e ao FMI, no valor de 72 mil
milhões de euros, a economia portuguesa teria de crescer 4,5 por cento ao ano,
até à última amortização, que ocorrerá em 2036. Ainda me recordo que, na
altura, quando li a respectiva notícia, fiquei com os olhos em bico, que até
parecia um chinês a olhar para um prato de arroz...
Quanto a mim, que pouco percebo destas
coisas, a não ser o trivial, penso que, quem anda a sustentar a ideia de que
esta dívida é sustentável e que pode ser paga, está deliberadamente a enganar
os portugueses. Com este raquítico crescimento, a manter-se, o Estado não
conseguirá obter um sustentável aumento de receitas, através dos impostos, e
que venha a permitir-lhe a plena assumpção dos compromissos com os credores
institucionais.
À mesma conclusão deveriam ter chegado os
cinco "sábios", que fazem parte do "German Council of Economic
Experts", um grupo oficioso de cinco economistas, que faz assessoria ao governo alemão, e que
propuseram, para ser eventualmente apresentado ao Conselho Europeu, e sob
proposta da Alemanha, a criação de um chamado “Mecanismo de Insolvência de
Soberanos” (mais um "Mecanismo" na UE!), que venha, no futuro, a
contemplar a hipótese, até aqui nunca admitida pelos Tratados, nem pelos
dirigentes europeus, da saída (provisória?) da zona euro dos países
considerados insolventes. E, neste quadro, Portugal seria o primeiro da lista,
a sair do euro, já que, a Grécia, embora a viver uma situação económica e
financeira mais grave, se encontra, actualmente, sob o seu terceiro resgate, o
que impediria a aplicação imediata desse novo estatuto, o do “Mecanismo de
Insolvência de Soberanos”, caso ele venha a ser aprovado pelo Conselho Europeu.
Para já, este plano dos cinco sábios (ver aqui) - um deles votou contra -
obteve a aprovação do sinistro ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble,
o que é meio caminho andado para ser bem recebido por todos os facciosos
europeístas, incluindo Passos Coelho e Paulo Portas.
Do grupo dos cinco
"sábios", o dissidente foi o economista, Peter Bofinger, que
resolveu, quebrando o sigilo, vir para a praça pública, para afirmar,
peremptoriamente, que, aquele plano, a ser aplicado, seria "o princípio do
fim do euro". Perante esta afirmação, os governos do sul da Europa
começaram a tremer.
A lógica que presidiu à
concepção deste plano, inspirou-se na filosofia inerente à concepção das
recentes novas regras para a banca da zona euro, que estabelecem que, em caso
de falência, são os accionistas e os depositantes com depósitos, acima dos 100
mil euros, a suportar as perdas, e não os credores. Com esta manobra, os bancos
alemães, franceses e espanhóis, detentores de dívidas colossais, de cobrança
duvidosa, por parte dos bancos gregos e portugueses, ficaram, assim, com a
garantia de receber parte dos créditos, através da recapitalização dos bancos
devedores, que accionistas, depositantes e o próprio Estado de origem terão de
fazer. É uma forma de transferir riqueza dos países mais pobres (devedores),
para os países mais ricos (credores). É o que se pretende também fazer com o
tal Mecanismo de Insolvência de Soberanos. Os governos, com elevadas dívidas,
que sejam considerados insolventes, arriscam-se a saltar fora do euro, ameaça
implícita que, para os quatro sábios, que gizaram o plano, será suficiente para
atemorizar e responsabilizar os respectivos governos - os dos países
"gastadores"- que passarão a ser mais submbissos e colaborantes, em
relação às ordens de Bruxelas e de Berlim. Jugo que este plano surgiu, devido
ao grande susto provocada pela rebelião grega, entretanto abortada.
Se repararmos bem na complexidade
de Tratados, Mecanismos e Directivas da União Monetária, somos levados a crer
que nem já a Alemanha sabe o que fazer para salvar o euro. As contradições do
euro são muitas e o seu futuro está a ser constantemente ameaçado. Abana
a cada nova crise, e a que aí vem vai ser muito dura e violenta, e quanto mais
o querem endireitar, mais ele se entorta. Ou eu me engano muito, e já não serão
os países a querer sair do euro, mas será o euro a querer sair dos países,
pelas portas das traseiras.
É a vida, diria António
Guterres, o primeiro-ministro que, na sequência do cavaquismo, meteu Portugal na alhada do euro, e, que,
agora, como prémio, e apoiado pela Opus Dei, vai ser um dos candidatos, ao
cargo de Secretário Geral da ONU.
Alexandre de Castro
Alexandre de Castro
***«»***
Anexo: Dois comentários metafóricos que, a propósito, deixei na minha página do Facebook:
O universo da zona euro parece-se cada vez mais
com um gigantesco hipódromo, onde os cavalos competem com os burros. Claro, que
os cavalos ganham sempre a corrida. Os burros somos nós...
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Quando aderiu ao euro, Portugal fez aquela
figura da criança que vestiu o casaco do pai. Ficava-lhe demasiado grande. E o
alfaiate foi da opinião que não resultava desmanchá-lo e cortá-lo, porque
ficaria sempre mal atamancado. Era preferível fazer um novo casaco à medida do
corpo da criança. O mesmo se passa com a moeda. O euro é uma moeda com um valor
cambial muito elevado, que não se ajusta à produtividade da economia
portuguesa, não possibilitando a competitividade das respectivas exportações
para os espaços extra europeus. Por isso, a participação das exportações na
formação do produto é das mais baixas entre os países do euro.
2 comentários:
Aí está um muito meritório artigo que,em matéria de tanta complexidade, consegue fazer-se entender, mesmo por quem,como eu, tem algumas dificuldades de penetrar na linguagem normalmente usada pelos políticos e outros formadores de opinião que por cá proliferam.
Assim se explicassem as coisas ao povo, e talvez hoje estivéssemos um pouco melhor.
Obrigado, amigo Diamantino. Para quem ainda não saiba, quero dizer aqui que o Diamantino, hoje coronel na reserva, e que foi meu colega no Liceu de Lamego e no Liceu de Viseu, foi um dos gloriosos "capitães de Abril". Foi ele que, no dia daquela madrugada redentora, e com a sua coluna militar, libertou os presos políticos do Forte de Peniche, antes de avançar sobre Lisboa, para se poder juntar às forças revoltosas que, na Baixa, já lutavam contra as forças do regime fascista.
Não posso deixar de registar aqui a tua coragem, a tua generosidade e a tua grande humildade, qualidades estas que torno extensíveis à maioria dos capitães da geração de Abril, a quem todos devemos a nossa liberdade e a nossa democracia.
Um abraço
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