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quarta-feira, 9 de maio de 2018

A falta de médicos no SNS é uma realidade indesmentível




Os três centros de orientação de doentes
urgentes (CODU) estão a funcionar
sem os médicos necessários e não
raras vezes estão a trabalhar com
apenas três, quando deveriam
existir pelo menos seis clínicos.


E nós, por cá, lá vamos cantando e rindo, alimentando aquela vã esperança de que o azar não nos bata à porta... Esta introdução é para os distraídos.

Em situações de emergência médica, um minuto, que seja, pode determinar o destino de uma vida. A nossa, inclusive. Por isso, não podemos deixar-nos embrulhar pelos argumentos "fraudulentos" do governo, nem pela hipocrisia dos partidos da direita, em relação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), que está a degradar-se, de dia para dia, principalmente no interior do país, onde já se vivem situações dramáticas.

A falta de médicos e de enfermeiros (e foi isto que motivou a actual greve médicos, com uma duração de três dias, e que está a ter um retumbante êxito) é, actualmente, o problema central do nosso sistema de saúde. E sem os meios humanos necessários, nenhum sistema pode ser funcional.

Mas é bom que se perceba por que razão esta situação está a ocorrer, e também por que razão António Costa nunca se pronuncia (ou poucas vezes se pronuncia) sobre o SNS, chutando o ónus dos encargos para o seu ministro da tutela, que, no primeiro dia da greve, em desespero de causa, até afirmou que (pasme-se!), se fosse médico, também teria aderido à greve, afirmação esta que pré-anuncia, a prazo, o fim do seu mandato. Ele irá, certamente, dentro de alguns dias ou semanas, pedir a sua demissão, invocando, como argumento, a falta de condições, para exercer o seu cargo, o que, neste caso, (e só neste caso), o do congelamento da admissão de novos médicos e enfermeiros, é verdadeiro.

A nomeação de um novo ministro da Saúde vai dar a António Costa a oportunidade de tentar travar, por mais uns meses, a contestação dos profissionais da Saúde à sua política em relação ao SNS, ao mesmo tempo que vai alimentando falsas expectativas nos portugueses. 

Não é ainda chegado o momento em que ele possa vir dizer que virou "mais uma página", do livro que anda a ler, um livro que lhe foi aconselhado por Merkel, por Macron e por Junker (tudo boa gente, que só querem a felicidade dos portugueses), e onde consta que Portugal tem um serviço de Saúde acima das suas possibilidades, pelo que, a ter de haver cortes, para equilibrar o défice orçamental, terá de ser neste sistema que eles deverão incidir, recomendação esta que Costa se apressou a sublinhar, (no tal livro que anda a ler), e que Centeno - já com as nádegas bem ajustadas ao assento da cadeira do Presidente do Eurogrupo e talvez já espreitando novas oportunidades de carreira - se prontificou a executar, cativando verbas do Orçamento de Estado em vigor, que já se encontram alocadas ao SNS, e que, assim, ficam em suspenso, dependendo a sua libertação, para execução, do equilíbrio das contas públicas, a meio do segundo semestre do ano. Se o défice, nessa altura, estiver controlado, haverá festa rija, pois, além do êxito financeiro alcançado, haverá um lauto bodo aos pobres, mesmo à beira das eleições legislativas, o que vem mesmo a calhar. Se o défice derrapar, então os hospitais e os centros de saúde têm de se amanhar com os técnicos de saúde, que têm actualmente, e esperar pelo próximo ano. Por sua vez, o dinheiro, que ficou cativo, no actual exercício, será incorporado no abatimento do défice orçamental. Entretanto, quer num caso, como no outro, muitos portugueses vão morrer, por falta de assistência médica atempada, o que será uma situação bem mais grave do que a corrupção de que estão indiciados Sócrates e Pinho, pois uma vida não tem preço no mercado de capitais.

António Costa tem dois problemas graves, que lhe estão a tirar o sono, e ambos com incidência orçamental, e que poderão ter repercussões eleitorais. Um é este, relacionado com o SNS. O outro reporta para os incêndios florestais do próximo Verão, em que um clamor de protestos está a varrer o país, com as várias entidades e instituições ligadas ao sector a pronunciarem-se sobre as graves falhas e carências existentes, ao nível dos meios de ataque aos incêndios, assim como ao nível das estruturas de coordenação. Até parece que é um país inteiro que está a arder.

António Costa, com o caso de José Sócrates e de Manuel Pinho, já perdeu a ambição de conquistar a maioria absoluta, nas próximas eleições legislativas. A canzoada do PSD e do CDS e a imprensa de referência domesticada, que funciona como câmara de ressonância da direita, não vão largar-lhe as canelas, tentando promover o caso ao nível de  uma questão de regime, mas esquecendo os muitos telhados de vidro coleccionados, durante o regabofe do cavaquismo.
 

Se tudo correr mal a António Costa, em relação ao SNS e se os incêndios florestais provocarem outra tragédia, poderá ser o fim da Geringonça e o domínio da direita no aparelho do Estado, o que até agradará aos donos da Europa, que não se coibirão de repetir o jogo das chantagens e das ameaças veladas, antes das próximas eleições. Mas isto, acima de tudo, será uma tragédia para o povo português, pois a direita, além de impor a sua ideologia neoliberal, irá descarregar, sobre os trabalhadores e sobre os reformados, o fel da sua vingança, resultante dos ódios acumulados, durante os últimos quatro anos.

Para que a Geringonça continue a poder viabilizar um outro governo minoritário, do PS, António Costa tem de mudar de agulha e deixar-se de querer fazer joguinhos com o PSD, de Rui Rio, como aconteceu recentemente, ao aceitar discutir com os sociais-democratas um acordo sobre o SNS, quando se sabe que Rui Rio levará debaixo do braço um plano gizado para favorecer a entrada em força dos agentes privados no SNS.

Alexandre de Castro
2018 05 09