Os três centros de
orientação de doentes
urgentes (CODU) estão a
funcionar
sem os médicos
necessários e não
raras vezes estão a
trabalhar com
apenas três, quando
deveriam
existir pelo menos seis
clínicos.
E nós, por cá, lá vamos cantando e rindo,
alimentando aquela vã esperança de que o azar não nos bata à porta... Esta
introdução é para os distraídos.
Em situações de emergência médica, um minuto, que
seja, pode determinar o destino de uma vida. A nossa, inclusive. Por isso, não
podemos deixar-nos embrulhar pelos argumentos "fraudulentos" do
governo, nem pela hipocrisia dos partidos da direita, em relação ao Serviço
Nacional de Saúde (SNS), que está a degradar-se, de dia para dia,
principalmente no interior do país, onde já se vivem situações dramáticas.
A falta de médicos e de enfermeiros (e foi isto
que motivou a actual greve médicos, com uma duração de três dias, e que está a
ter um retumbante êxito) é, actualmente, o problema central do nosso sistema de
saúde. E sem os meios humanos necessários, nenhum sistema pode ser funcional.
Mas é bom que se perceba por que razão esta
situação está a ocorrer, e também por que razão António Costa nunca se
pronuncia (ou poucas vezes se pronuncia) sobre o SNS, chutando o ónus dos
encargos para o seu ministro da tutela, que, no primeiro dia da greve, em
desespero de causa, até afirmou que (pasme-se!), se fosse médico, também teria
aderido à greve, afirmação esta que pré-anuncia, a prazo, o fim do seu mandato.
Ele irá, certamente, dentro de alguns dias ou semanas, pedir a sua demissão, invocando,
como argumento, a falta de condições, para exercer o seu cargo, o que, neste
caso, (e só neste caso), o do congelamento da admissão de novos médicos e
enfermeiros, é verdadeiro.
A nomeação de um novo ministro da Saúde vai dar
a António Costa a oportunidade de tentar travar, por mais uns meses, a
contestação dos profissionais da Saúde à sua política em relação ao SNS, ao mesmo tempo que vai alimentando
falsas expectativas nos portugueses.
Não é ainda chegado o momento em que ele
possa vir dizer que virou "mais uma página", do livro que anda a ler,
um livro que lhe foi aconselhado por Merkel, por Macron e por Junker (tudo boa gente, que
só querem a felicidade dos portugueses), e onde consta que Portugal tem um
serviço de Saúde acima das suas possibilidades, pelo que, a ter de haver
cortes, para equilibrar o défice orçamental, terá de ser neste sistema que eles
deverão incidir, recomendação esta que Costa se apressou a sublinhar, (no tal
livro que anda a ler), e que Centeno - já com as nádegas bem ajustadas ao
assento da cadeira do Presidente do Eurogrupo e talvez já espreitando novas
oportunidades de carreira - se prontificou a executar, cativando verbas do
Orçamento de Estado em vigor, que já se encontram alocadas ao SNS, e que, assim,
ficam em suspenso, dependendo a sua libertação, para execução, do equilíbrio
das contas públicas, a meio do segundo semestre do ano. Se o défice, nessa
altura, estiver controlado, haverá festa rija, pois, além do êxito financeiro alcançado, haverá um lauto bodo aos pobres, mesmo à beira das eleições legislativas, o que vem mesmo a calhar.
Se o défice derrapar, então os hospitais e os centros de saúde têm de se
amanhar com os técnicos de saúde, que têm actualmente, e esperar pelo próximo
ano. Por sua vez, o dinheiro, que ficou cativo, no actual exercício, será incorporado no abatimento do défice orçamental. Entretanto, quer num
caso, como no outro, muitos portugueses vão morrer, por falta de assistência
médica atempada, o que será uma situação bem mais grave do que a corrupção de
que estão indiciados Sócrates e Pinho, pois uma vida não tem preço no mercado
de capitais.
António Costa tem dois problemas graves, que lhe
estão a tirar o sono, e ambos com incidência orçamental, e que poderão ter
repercussões eleitorais. Um é este, relacionado com o SNS. O outro reporta para
os incêndios florestais do próximo Verão, em que um clamor de protestos está a varrer
o país, com as várias entidades e instituições ligadas ao sector a
pronunciarem-se sobre as graves falhas e carências existentes, ao nível dos
meios de ataque aos incêndios, assim como ao nível das estruturas de coordenação.
Até parece que é um país inteiro que está a arder.
António Costa, com o caso de José Sócrates e de
Manuel Pinho, já perdeu a ambição de conquistar a maioria absoluta, nas
próximas eleições legislativas. A canzoada do PSD e do CDS e a imprensa de referência
domesticada, que funciona como câmara de ressonância da direita, não vão
largar-lhe as canelas, tentando
promover o caso ao nível de uma questão
de regime, mas esquecendo os muitos telhados de vidro coleccionados, durante o
regabofe do cavaquismo.
Se tudo correr mal a António Costa, em relação
ao SNS e se os incêndios florestais provocarem outra tragédia, poderá ser o fim
da Geringonça e o domínio da direita no aparelho do Estado, o que até agradará
aos donos da Europa, que não se coibirão de repetir o jogo das chantagens e das
ameaças veladas, antes das próximas eleições. Mas isto, acima de tudo, será uma tragédia
para o povo português, pois a direita, além de impor a sua ideologia
neoliberal, irá descarregar, sobre os trabalhadores e sobre
os reformados, o fel da sua vingança, resultante dos ódios acumulados, durante
os últimos quatro anos.
Para que a Geringonça continue a poder
viabilizar um outro governo minoritário, do PS, António Costa tem de mudar de
agulha e deixar-se de querer fazer joguinhos com o PSD, de Rui Rio, como
aconteceu recentemente, ao aceitar discutir com os sociais-democratas um acordo
sobre o SNS, quando se sabe que Rui Rio levará debaixo do braço um plano gizado
para favorecer a entrada em força dos agentes privados no SNS.
Alexandre
de Castro
2018 05 09