A síndrome do olho direito
hoje ao sair de casa encontrei algumas pessoas
com um tremor miudinho nas pálpebras
nas lojas onde entravam empregados e outros entes
sofriam da mesma tremura
reparei que o fenómeno estava instalado no olho
direito
o que é intrigante é que alguns comentadores
políticos
repetiam o charme da tremura do mesmo lado
quando olhavam para a câmara era uma tremedeira.
pensei que era até uma herança da troika
o caso agravou-se porém quando foi dado nota que
um
[homem
para deixar de tremer instalou na cabeça uma
gaiola.
sob o efeito da notícia o país começou a
escrever
em escrita automática.
hoje quando regresso ao trabalho a primeira
coisa que
[faço
é esconder o olho direito com uma pala.
–
maria azenha
***«»***
O meu
comentário:
Um genial poema caricatural, certeiro e
arrasador na forma e no tema, e que elege o lado mais ridículo e mais caricato
do cenário político português (e sem esquecer os tempos negros da troika).
A “tremedeira nacional do olho direito”, que a
“poeta” sinalizou no título como “A síndrome do olho direito” é uma metáfora
riquíssima e talentosa, pela mordacidade que transporta e pelos vários
significados políticos que contém. Significados que a “poeta” não necessitou de
especificar, pois todos eles se inferem, logo numa primeira leitura. E para
engalanar o círculo poético da sátira corrosiva, a “poeta” agrega ao poema o
aparecimento de uma nova e inesperada epidemia nacional, que alastrou a um
determinado segmento da população portuguesa, que o leitor também rapidamente
identifica, e que tem um grau de perigosidade idêntico ao da peste negra, na
Idade Média.
Este poema é incisivamente cáustico e demolidor
para os traficantes das ilusões saídas em série das fábricas dos sonhos e
transformadas em promessas de curta duração, que nunca se cumprem.
E isto é de tal modo verdade, que eu já vi
pessoas com gaiolas na cabeça e comentadores dos jornais “a escrever em escrita
automática”.
Alexandre
de Castro
2017 11 13