O Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) é um Decreto-Lei da República Portuguesa (DL 239/99, com alterações posteriores) que, no seu artigo 7.º, determina que cada militar, em cerimónia pública, preste juramento de bandeira perante a Bandeira Nacional, mediantea fórmula seguinte:
«Juro, como português e como militar, guardar e fazer guardar a Constituição e as leisda República, servir as Forças Armadas e cumprir os deveres militares. Juro defendera minha Pátria e estar sempre pronto a lutar pela sua liberdade e independência, mesmo com o sacrifício da própria vida.»
Este juramento, de carácter individual, coloca a guarda da Constituição e das Leis da República logo no primeiro lugar das tarefas juradas pelos militares, o que é o mesmo que dizer que os obriga a ter os olhos e os ouvidos bem abertos para o que se vai passando na vida pública do país.A actividade política portuguesa vem-se caracterizando por sucessivos sinais de que o regime democrático está profundamente afectado por anomalias que, no seu conjunto,consubstanciam uma das mais graves crises da história de Portugal. Podem apontar-se como sintomas de grave doença do sistema político nacional, desde há muitos anos a esta parte, os seguintes exemplos de todos bem conhecidos:
• O sistema partidário, colocando os partidos políticos alternadamente no poder e na oposição, não consegue fazer deles máquinas sérias de fiscalização, na oposição, e de aparelhos aptos a, rapidamente, tomarem conta da governação do país quando legitimamente para tal eleitos. Deste modo, vem-se repetindo o cenário de um partido ou uma coligação de partidos chegar ao poder e, poucas semanas depois, declarar que a situação é muito pior do que tinham imaginado. Todavia, quando em campanha eleitoral, atacam veementemente os partidos a quem disputam o poder e são capazes de considerar “um disparate” uma medida que, passado pouco tempo, logo vão pôr emprática. Assim sendo, parece que quem está no poder consegue, sistematicamente,esconder a realidade do país a quem está na oposição, pelo que as eleições redundam numa simples aposta, para não dizer numa fraude, em que as políticas anunciadas raramente são postas em prática.
• A Justiça tem-se destacado pela sua lentidão, pelas obstruções que a actual legislação consente e pela imoralidade de muitas decisões. No meio do maior escândalo nacional, os tribunais vêm servindo, em muitos casos, para absolver a maior parte dos casos de corrupção – sobretudo os relacionados com personalidades da vida política – e tornou-se patente que, havendo dinheiro, arranja-se um bom advogado e ele tratará de tirar todo o partido da imperfeição das nossas leis, logrando obter a absolvição ou a muito conveniente prescrição.
• As nossas leis são imperfeitas e, na Assembleia da República, não se vislumbram vontades que levem a alterar o que tem vindo a permitir o triunfo dos corruptos e a actividade política em circunstâncias de patente incompatibilidade moral.
• A violação da Lei na acção governativa tornou-se uma prática corrente, de que a confiscação dos Subsídios de Férias e de Natal a uma parte dos portugueses e adesigualdade de sacrifícios impostos aos diversos cidadãos são o exemplo mais forte e penalizante. E, o cenário de far west assentou arraiais de tal feição no panorama político português que a própria governante titular da Justiça, maltratando o princípio da separação dos poderes, admoestou preventivamente os juízes do Tribunal Constitucional para que tivessem tento no que iriam decidir a este respeito.
• Os assaltos a bancos, que antigamente se faziam de pistola na mão e máscara na cara, fazem-se, agora, por dentro e por valores nunca dantes desviados. O Banco de Portugal,onde são pagos ordenados e reformas milionárias, alegadamente devido à elevada qualidade dos seus servidores, fracassou miseravelmente na detecção atempada do golpe do século verificado no BPN. Também neste caso, a lentidão da Justiça a todos deixa perplexos. E essa perplexidade é tanto maior quanto é evidente que o BPN foi uma criação assente em personalidades de notório passado político, muitas delas próximas do actual PR.
• Neste, como em muitos outros casos que ainda não estão sob a alçada da Justiça, emerge a figura do EX-MINISTRO. Ser ministro de Portugal, nos tempos que correm, já não é o coroar de uma carreira de meritórios serviços à causa pública. É, apenas, uma fase transitória de recolha de informação e de valorização pessoal perante o mundo dos negócios, em que se trata de agradar aos que, mais tarde, os premiarão com bem remunerados empregos.
• A própria sede do poder já não será aquela que a Constituição da República determina, porque poderes semi-ocultos manobram nos bastidores da política, em relação promíscua com o mundo dos negócios. Para tornar o panorama ainda mais tenebroso,descobrem-se actuações ilícitas por parte de responsáveis dos Serviços de Informação, ligações discretas a lojas maçónicas e, finalmente, preocupante envolvimento de figuras destacadas do governo. A manipulação dos media e as pressões sobre quem neles trabalha, pecado comum de todos os governos da actual República, faz-se, agora, ameaçando com a divulgação de pormenores da vida privada de jornalistas, o que nos permite perguntar se essa nova modalidade não terá algo a ver com um certo relacionamento do poder com os agentes transviados dos Serviços de Informação. E tudo isto acontece perante a impassibilidade do poder político e, até, com a tentativa de procurar desvalorizar a gravidade da situação.
• Numa Região Autónoma, o presidente do governo regional, figura de enorme sucesso político, graças às contribuições dos contribuintes cubanos do “Contenente”, marimbando-se para o cumprimento das suas obrigações constitucionais, resolve não estar presente na Assembleia Regional durante o debate de uma moção de censura e lança as maiores diatribes sobre os seus adversários políticos, constantemente tratados como loucos e bandidos.
• Mergulhados numa situação gravíssima, que exigiria do Supremo Magistrado da Nação uma atitude mobilizadora da sociedade portuguesa, o actual PR veio lamentar-se publicamente das dificuldades que teria em pagar as suas despesas, não parecendo aperceber-se de como estava a magoar todo o povo português, sabedor de que S.ª Ex.ª vive com cerca de 20 ordenados mínimos por mês. Pois sucede que, por imperativoconstitucional – artigo 127.º - 3 – a fórmula de juramento do PR “Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa” impõe, justamente, a tarefa primária de zelar pelo respeito da normalidade constitucional. Com a imagem degradada de que hoje usufrui – cuja caracterização me abstenho de recordar –, é legítimo duvidar que se encontre nas condições necessárias ao desempenho de tão exigente missão.
• É muito evidente que Portugal precisa de reformas de grande vulto. Há cerca de dois anos, uma figura prestigiada da política portuguesa e ex-líder de um dos principais partidos políticos, considerou que (cito de cor) “em democracia não é possível fazer reformas”. Seguidamente, foi mesmo ao ponto de sugerir que “o melhor era suspender a democracia por seis meses, fazer as reformas, e regressar, depois, ao funcionamento democrático”. Ouvir uma pessoa responsável e com larga experiência governativa fazer uma afirmação deste tipo só pode significar que algo de muito grave se passa com ocumprimento da Constituição da República.
Dito isto, julgo que haverá duas hipóteses a ponderar:
1.ª Estou redondamente enganado nas considerações que fiz, sendo então muito provável que a Constituição da República esteja de boa saúde e convenientemente guardada;
2.ª Não estou (infelizmente) enganado e, então, é legítimo perguntar como é que asForças Armadas e os seus militares acham que estão a cumprir a determinação legal contida no juramento feito e procurar abrir o indispensável debate.
Granja, 04 de Junho de 2012
David Martelo
Coronel de Infantaria Ref.
Amabilidade do Joaquim Pereira da Silva e do João Fráguas
1 comentário:
Caro Cor Martelo
Temo muito que a segunda hipótese por si apontada, seja aquela a considerar. E gostaria de lhe poder dizer o que me vai na alma, pese embora a rudeza das minhas palavras contrastantes com a subtileza das suas. Privei consigo profissionalmente no antigo QG Norte, pelo que será fácil deduzir que abracei igualmente e com muita honra a carreira das armas. Daí sentir o 'chamamento' do seu discurso. Vivemos num estado de direito (?), num regime democrático que, 'per si', faz com que o significado da frase '...outro 25 de Abril...' tenha pouco sentido. Este Movimento trouxe-nos, justamente, a democracia, a liberdade de expressão, mas entre muito mais outras coisas, trouxe-nos também, qual horda de animais à babugem, a corja de políticos e outros 'ilustres' da treta com que hoje e sempre estivemos servidos e que têm posto este país verdadeiramente a saque! No covil destes animais, a incompetência, o esquema e a impunidade andam de mãos dadas. O pior é que NÓS vamos vendo e vamos olhando para o lado. Por comodidade. Se calhar, por egoísmo...enquanto a desgraça não nos bate à porta, como já o fez a muita gente. Se calhar, o significado da frase '...outro 25 de Abril...' terá ganho, porventura, outro significado. O da procura do reequilíbrio social (o possível, que é seguramente melhor que o actual), da verdadeira aplicação da justiça para todos (a possível, já que actualmente quase nenhuma existe). E o mais importante que tudo, da eliminação pura e simples da horda, seja por qual meio for!! E aí, podem mudar a data, desde que o resultado seja o mesmo! Mas para isso, NÓS não vamos poder mais olhar para o lado...
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