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terça-feira, 4 de julho de 2017

De Pedrógão Grande à Feira de Carcavelos. As televisões vendem tudo e tudo é contrafeito. _ Carlos Matos Gomes

Vómito televisivo


De Pedrógão Grande à Feira de Carcavelos. As televisões vendem tudo e tudo é contrafeito.

Carlos Matos Gomes

Conclusões do que aconteceu em Pedrógão: Depois das reportagens de Fátima, das reportagens da celebração do campeonato de futebol, as televisões comprovaram que o populismo existe e está tão encarniçado como as labaredas do grande fogo que mataram e devastaram. O populismo é o apelo à excitação e à irracionalidade. Depois do que as televisões, principalmente as televisões que são o grande meio de manipulação de massas, fizeram a propósito de um fenómeno religioso, da excitação de um fenómeno desportivo, as televisões exibiram as suas melhores figuras, desorbitadas, de pregadores das igrejas dos últimos dias no aproveitamento de uma tragédia. As televisões provaram que não faltam atiçadores de populaça para qualquer campanha. As labaredas de Pedrógão mataram pessoas e destruíram bens materiais, mas mataram queimaram a ideia de uma televisão como meio credível de informação e esclarecimento. A televisão, enquanto meio de comunicação, sai queimada de Pedrógão. A televisão portuguesa despiu-se de pruridos e apresentou-se como é: Um Big Brother, uma Casa de Segredos. As vedetas das televisões são clones da Teresa Guilherme.

O populismo é uma evidência quando o mais poderoso meio de manipulação do comportamento de massas utiliza as suas figuras mais conhecidas para fazerem apelo aos sentimentos mais primários e irracionais e estas o assumem com a convicção de pastores da igreja dos santos do últimos dias, da Maná, das testemunha de Jeová.

Os acontecimentos de Pedrógão provaram que o melhor das televisões, principalmente das televisões, são Teresas Guilherme pregando sobre as labaredas de Pedrógão como se fossem as do inferno, despejando discursos sem pudor, ora excitados ora choramingas, sempre vazios. Gente capaz de tudo. Todos os acontecimentos são um espectáculo, de um cadáver ao desespero de alguém que perdeu tudo. O grito dos populistas é sempre: queremos carne, queremos sangue. Em Roma gritariam por um cristão para atirar aos leões, em Lisboa ou em Madrid pediriam judeus para queimar nas fogueiras da inquisição. Em Pedrógão queriam um ministro, um secretário de Estado, um GNR que tenha dado uma indicação errada, um avião que não caiiu! Nos intervalos puxam à lágrima fácil.

Um populista com um microfone e uma câmara perora diante de homens e viaturas que se movimentam e correm, anuncia: há uma completa descoordenação no combate ao fogo. Há duzentos anos, numa obra clássica, «A Guerra», o autor, Clausewitz, escrevia sobre a natureza da batalha: “a reunião perfeita de todas as forças num mesmo momento é contrária à natureza da guerra.” A batalha, o combate, seja contra outros homens, seja contra um fogo,não é um bailado, nem uma tabuleiro onde se movimentam soldadinhos de chumbo em movimentos geométricos. O campo de batalha é caótico, mas ninguém conseguirá que um populista de câmara e microfone entenda isto. Eles estão diante das câmaras para acusar os homens e a natureza. Querem vender mortos e pendurar vivos no pelourinho. Querem demissão de ministros, querem apanhar a contradição entre um secretário e um sub-secretário.

Mas o chocante, é que são estes pastores populistas — e não houve vedeta da televisão que não quisesse aparecer em Pedrógão (faltou o Rodrigues dos Santos de jaqueta) — esta gente sem moral que nos entra casa adentro para nos interpretar o mundo. Um amador de economia surge de guia nativo. Uma assombração em fato de treino fala com mortos, um outro soube de um avião que não caiu… Todos sabem de pinheiros e eucaliptos, de ordenamento do território… Amanhã estarão a explicar-nos as causas do défice, as mudanças do clima no planeta, os interesses que se jogam no Médio Oriente, a estratégia das três grandes potências para a divisão do mundo.

Serão os pastores evangélicos que vimos de microfone a aproveitarem sem vergonha a desgraça alheia e os seus sentimentos de impotência, ou de raiva, ou de desespero que se despiram diante de nós. A reflexão mais elaborada sobre os assuntos que determinam a nossa vida, o máximo de senso, de honestidade, de saber da vida e do mundo que estas figuras patétitas conseguem é a que apresentaram em Fátima, no 13 de maio, na rotunda do Marquês no dito tetra e agora em Pedrógão. É esta gente que nos interpretará o Brexit, a crise dos refugiados, a nova Europa, o programa espacial da China, as vagas migratórias, a guerra da Siria, as opções do novo governo francês, o desemprego estrutural, as opções para o futuro da segurança social, os novos combustíveis, o terrorismo. Serão estes evangelistas dos últimos dias que entrevistarão ministros e cientistas, que analisarão orçamentos e os fenómenos sociais que determinam o nosso presente e o nosso futuro!

Como respondeu uma vendedora na feira de Carcavelos quando um senhor ali caído por acaso lhe perguntou se os polos eram mesmo da Lacoste: Aqui é tudo de marca!

O incêndio de Pedrógão provou que as televisões são uma feira de Carcavelos. Tudo ali é contrafeito e rasca, mas amanhã, os que ali se exibiram como vendedores de Lacostes surgirão graves e sérios como se fossem fabricantes de produtos originais.
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Um texto escrito por um escritor e capitão de Abril e enviado por outro escritor, também capitão de Abril, o meu amigo e antigo colega de liceu, o Diamantino Silva.
E aproveito a ocasião, da presença, aqui, destes dois militares, cuja honestidade intelectual e integridade moral muito admiro, para dizer o seguinte:
Os capitães de Abril traziam nos olhos a pureza genuína da política, que os políticos de regime depressa conspurcaram.
Alexandre de Castro
2017 07 03

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