Vómito televisivo |
De
Pedrógão Grande à Feira de Carcavelos. As televisões vendem tudo e tudo é
contrafeito.
Carlos
Matos Gomes
Conclusões do que aconteceu em Pedrógão:
Depois das reportagens de Fátima, das reportagens da celebração do campeonato
de futebol, as televisões comprovaram que o populismo existe e está tão
encarniçado como as labaredas do grande fogo que mataram e devastaram. O
populismo é o apelo à excitação e à irracionalidade. Depois do que as
televisões, principalmente as televisões que são o grande meio de manipulação
de massas, fizeram a propósito de um fenómeno religioso, da excitação de um
fenómeno desportivo, as televisões exibiram as suas melhores figuras,
desorbitadas, de pregadores das igrejas dos últimos dias no aproveitamento de
uma tragédia. As televisões provaram que não faltam atiçadores de populaça para
qualquer campanha. As labaredas de Pedrógão mataram pessoas e destruíram bens
materiais, mas mataram queimaram a ideia de uma televisão como meio credível de
informação e esclarecimento. A televisão, enquanto meio de comunicação, sai
queimada de Pedrógão. A televisão portuguesa despiu-se de pruridos e
apresentou-se como é: Um Big Brother, uma Casa de Segredos. As vedetas das
televisões são clones da Teresa Guilherme.
O populismo é uma evidência quando o
mais poderoso meio de manipulação do comportamento de massas utiliza as suas
figuras mais conhecidas para fazerem apelo aos sentimentos mais primários e
irracionais e estas o assumem com a convicção de pastores da igreja dos santos
do últimos dias, da Maná, das testemunha de Jeová.
Os acontecimentos de Pedrógão provaram
que o melhor das televisões, principalmente das televisões, são Teresas
Guilherme pregando sobre as labaredas de Pedrógão como se fossem as do inferno,
despejando discursos sem pudor, ora excitados ora choramingas, sempre vazios.
Gente capaz de tudo. Todos os acontecimentos são um espectáculo, de um cadáver
ao desespero de alguém que perdeu tudo. O grito dos populistas é sempre:
queremos carne, queremos sangue. Em Roma gritariam por um cristão para atirar
aos leões, em Lisboa ou em Madrid pediriam judeus para queimar nas fogueiras da
inquisição. Em Pedrógão queriam um ministro, um secretário de Estado, um GNR
que tenha dado uma indicação errada, um avião que não caiiu! Nos intervalos
puxam à lágrima fácil.
Um populista com um microfone e uma
câmara perora diante de homens e viaturas que se movimentam e correm, anuncia:
há uma completa descoordenação no combate ao fogo. Há duzentos anos, numa obra
clássica, «A Guerra», o autor, Clausewitz, escrevia sobre a natureza da
batalha: “a reunião perfeita de todas as forças num mesmo momento é contrária à
natureza da guerra.” A batalha, o combate, seja contra outros homens, seja
contra um fogo,não é um bailado, nem uma tabuleiro onde se movimentam
soldadinhos de chumbo em movimentos geométricos. O campo de batalha é caótico,
mas ninguém conseguirá que um populista de câmara e microfone entenda isto.
Eles estão diante das câmaras para acusar os homens e a natureza. Querem vender
mortos e pendurar vivos no pelourinho. Querem demissão de ministros, querem
apanhar a contradição entre um secretário e um sub-secretário.
Mas o chocante, é que são estes pastores
populistas — e não houve vedeta da televisão que não quisesse aparecer em
Pedrógão (faltou o Rodrigues dos Santos de jaqueta) — esta gente sem moral que
nos entra casa adentro para nos interpretar o mundo. Um amador de economia
surge de guia nativo. Uma assombração em fato de treino fala com mortos, um
outro soube de um avião que não caiu… Todos sabem de pinheiros e eucaliptos, de
ordenamento do território… Amanhã estarão a explicar-nos as causas do défice,
as mudanças do clima no planeta, os interesses que se jogam no Médio Oriente, a
estratégia das três grandes potências para a divisão do mundo.
Serão os pastores evangélicos que vimos
de microfone a aproveitarem sem vergonha a desgraça alheia e os seus
sentimentos de impotência, ou de raiva, ou de desespero que se despiram diante
de nós. A reflexão mais elaborada sobre os assuntos que determinam a nossa
vida, o máximo de senso, de honestidade, de saber da vida e do mundo que estas
figuras patétitas conseguem é a que apresentaram em Fátima, no 13 de maio, na
rotunda do Marquês no dito tetra e agora em Pedrógão. É esta gente que nos
interpretará o Brexit, a crise dos refugiados, a nova Europa, o programa
espacial da China, as vagas migratórias, a guerra da Siria, as opções do novo
governo francês, o desemprego estrutural, as opções para o futuro da segurança
social, os novos combustíveis, o terrorismo. Serão estes evangelistas dos
últimos dias que entrevistarão ministros e cientistas, que analisarão
orçamentos e os fenómenos sociais que determinam o nosso presente e o nosso
futuro!
Como respondeu uma vendedora na feira de
Carcavelos quando um senhor ali caído por acaso lhe perguntou se os polos eram
mesmo da Lacoste: Aqui é tudo de marca!
O incêndio de Pedrógão provou que as
televisões são uma feira de Carcavelos. Tudo ali é contrafeito e rasca, mas
amanhã, os que ali se exibiram como vendedores de Lacostes surgirão graves e
sérios como se fossem fabricantes de produtos originais.
**
Um
texto escrito por um escritor e capitão de Abril e enviado por outro escritor,
também capitão de Abril, o meu amigo e antigo colega de liceu, o Diamantino
Silva.
E
aproveito a ocasião, da presença, aqui, destes dois militares, cuja honestidade
intelectual e integridade moral muito admiro, para dizer o seguinte:
Os
capitães de Abril traziam nos olhos a pureza genuína da política, que os
políticos de regime depressa conspurcaram.
Alexandre de Castro
2017 07 03
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