Façam o vosso jogo
Imagine que você tem dois
amigos, ambos viciados em jogo e que se encontram proibidos de entrar em
casinos...
Para poderem continuar a
satisfazer a sua adicção, reúnem-se à mesa de um café e efectuam uma aposta
sobre o preço que a onça de ouro atingirá no dia seguinte.
Os dois possuem expectativas
opostas quanto ao comportamento do valor de fecho desse activo no dia seguinte:
um aposta que vai subir e o outro aposta que vai descer – tem de ser assim,
caso contrário, contra quem iriam os dois apostar?
Como toda e qualquer incerteza
tem de implicar uma perda/ganho patrimonial para que se considere que existe
risco para os intervenientes, vamos assumir que estes dois amigos vão colocar
dinheiro em cima da mesa do café: cada um aposta cem euros.
Qual o resultado deste jogo?
No dia seguinte, um deles perderá cem euros e o outro ganhará cem euros. Este
jogo designa-se por um jogo de “soma-zero”: os cem euros que um dos amigos
ganhar anulará os cem euros que o outro perderá. Em termos agregados, o ganho
(ou perda) é zero, ou seja, não foi criado qualquer valor, porque, no início do
jogo, cada um tinha cem euros; agora, no final, os duzentos euros
estão apenas na mão de um deles.
Compreendeu este jogo? Se sim,
e se você se sente confortável com o pressuposto de que nenhum dos dois
jogadores possui qualquer informação privilegiada sobre a evolução do preço do
ouro, então você acabou de compreender um dos princípios mais elementares da
economia financeira.
Parabéns! Mais ainda, você
implicitamente considerou que a probabilidade da onça de ouro subir é a mesma
probabilidade de descer. Confesse que sim. E você está, grosso modo, certo.
Espero também que você tenha
compreendido que, o facto de existir um mercado em que estes dois apostadores
(ou milhões deles) arriscam dinheiro não cria, de per se, qualquer riqueza
(cria apenas a que deriva de algumas pessoas terem emprego para que esteja
assegurado que este “casino” opera convenientemente; este, a troco de uma
comissão, providencia o necessário para que tudo corra bem).
Louis Bachelier, em 1900, foi
o primeiro investigador a debruçar-se sobre o comportamento do preço dos
activos financeiros (mais informação sobre o
trabalho pioneiro de
Bachelier). Este matemático, na altura visto como muito pouco ortodoxo,
concluiu que, para se prever a evolução do preço de um activo financeiro, o
comportamento passado do seu preço é irrelevante: apenas interessa o preço que
esse activo possui hoje, para estimar qual o preço, que amanhã à mesma hora,
esse activo evidenciará.
A forma como o preço oscilou
em períodos anteriores não tem qualquer influência para efeitos de estimação do
preço futuro. Confuso?
Espero que não mas, ao mesmo
tempo, espero que se questione sobre qual o objectivo que este texto pretende
atingir; devo confessar não é nada de excepcional: apenas sensibiliza-lo para o
facto de uma parte da economia financeira ou, o que é o mesmo, uma parte dos
activos financeiros nada dependerem da criação de valor ou a perda de valor de
outros activos, os designados “activos reais”, esses sim com capacidade
intrínseca para criar valor.
Deter um destes outros activos
é tão legítimo como possuir o direito de se sentar com os seus amigos na mesa
do café. Mas não se pode, em consciência afirmar muito mais do que isso. A
parte da economia financeira que se consubstancia neste tipo de jogos
movimentou, em 2015, 1,2 quadriliões de dólares, dez vezes mais do que produto
interno bruto do mundo inteiro.
Há inúmeros exemplos destes
tipos de activos – conhecidos como derivativos porque o seu valor “deriva” ou
depende do comportamento futuro de uma variável. Há de tudo como na farmácia,
desde contratos em que investidores apostam sobre o preço futuro de acções de
empresas, evolução de taxas de câmbio, do petróleo, do café, óleo de palma, do
trigo, do algodão, da prata e, até, do sumo de laranja.
Se você for um empresário que
necessita de um destes activos para desenvolver a sua actividade (imagine que,
quando se senta à mesa do café, você é na verdade um fabricante de jóias de
ouro) então você vai querer saber mais alguma coisa sobre este assunto.
Caso contrário, não há
justificação para tal: o “racional” por detrás do comportamento dos preços
destes activos é, grosso modo, o mesmo “racional” que o faz apostar que o mês
de Agosto de 2019 será mais quente do que o de 2018. Não tendo em consideração
o impacto que o aquecimento global poderá ter, lamento dizer-lhe que apenas
poderá concluir que as coisas podem igualmente correr bem ou mal.
Tire uma moeda não viciada do
bolso, lance-a ao ar e você estará, grosso modo, a jogar o mesmo jogo.
Espero que, depois de ler
estas linhas, você consiga reagir em conformidade quando algum “radical de
esquerda” se referir a uma parte (sublinho, uma parte) da economia financeira
que nos destruiu em 2008, como “economia de casino” e como sendo “uma
jogatana”.
A não ser, claro, que você
seja daqueles que acreditam que o comportamento desta parte da economia
financeira está positivamente correlacionada com o comportamento da economia
real. Nesse caso, faça como eu: descanse, retempere energias e goze muito as
suas férias.
João Ribeiro
Professor universitário, Doutorado em Finanças.
Investigador na área de avaliação de activos.
Sugestão de Lara Ferraz
***«»***
E, além deste esquema da economia
de casino, de pura especulação, ainda há um outro, ao nível dos bancos, em que
o banqueiro empresta o que tem (o dinheiro dos depositantes) e o que não tem,
criando moeda escritural, já que não é moeda física o que o devedor recebe.
Este esquema, que é inerente ao funcionamento dos bancos, tem uma capacidade
infinita de se multiplicar, até ao momento em que começam a aparecer as
imparidades e os produtos tóxicos (dívidas incobráveis), o que conduz à
bancarrota, sendo depois reposta a normalidade do sistema (que continuará a manter-se inalterável) com o dinheiro dos contribuintes.
Alexandre de Castro
10-08-2016