Fraudes, escândalos, salários milionários e alguma impunidade. O Diário Económico relembra as principais figuras desde o início da crise.
"Existe uma certa diabolização da Banca". A frase é de Faria de Oliveira, em recente entrevista ao Diário Económico. A esta opinião poderíamos juntar a de Lloyd Blankfein, o todo-poderoso presidente da Goldman Sachs, que afirmou que "os banqueiros fazem o trabalho de Deus". O autor desta frase é um dos poucos sobreviventes de Wall Street à crise que começou a fazer vítimas, há cinco anos.
A questão da moral na banca pode parecer simplista, mas surge após a sucessão de casos em instituições que são, ou eram, vistas como pilares do sistema financeiro internacional. A Bear Stearns já não existe, a Merrill Lynch foi comprada; a Lehman ruiu com um estrondo que fez tremer todo o mundo; bancos foram nacionalizados em quase todos os principais mercados. Entre fraudes, má gestão ou apenas azar, há inúmeros exemplos de banqueiros no centro do turbilhão; alguns ajudaram a criá-lo, outros não o souberam combater.
A crise nascida do ‘subprime' começou por arrastar os bancos; isto espalhou-se à economia; o que obrigou a resgates públicos e ao reforço brutal do investimento estatal, para impedir uma recessão que veio a suceder de qualquer forma. Nesta altura, todas as vozes "falavam grosso" para a banca. Esta era a culpada da crise e estava a obrigar os Estados, isto é, os contribuintes, a endividar-se para salvar o sector. Até que a maré - o humor do mercado - mudou, e são os próprios Estados em risco. E, ironia do destino, dependentes dos bancos para se financiarem, nomeadamente nos leilões de dívida pública. A verdade é que todo esse alarido super-regulatório deixou poucas mudanças efectivas, e sobretudo não impediu que continuassem a suceder escândalos na banca, mesmo que já não relacionados com a crise do ‘subprime'.
No elenco ao lado, pode ver boa parte do filme da crise. Entre os protagonistas essenciais estão Dick "O Gorila" Fuld, em cujos braços morreu a Lehman; mas também actores mais recentes, como o presidente do Nomura, que curiosamente cresceu à custa da Lehman. E também Phil Purcell, o antigo CEO da Morgan Stanley que, em 2005, perdeu o emprego por recusar alavancar o banco para embarcar no aparente "almoço grátis" do ‘subprime'.
No centro do turbilhão...
Matt Ridley - Northern Rock
Juntamente com a saída dos funcionários da Lehman dos seus escritórios, as filas de clientes às portas do Northern Rock ficam como a grande imagem do início da crise. Em 2007, tornou-se a primeira vítima da exposição ao ‘subprime' norte-americano, tendo de receber assistência de liquidez de emergência do Banco de Inglaterra. No entanto, tal soube-se, e criou-se uma corrida aos depósitos - a primeira em mais de 100 anos em Inglaterra - que derrubou de vez o banco, que acabou por ser nacionalizado. Já este ano, foi comprado pela Virgin Money, de Richard Branson. À data da nacionalização, o Northern Rock tinha como ‘chairman' Matthew Ridley, que se demitiu em Outubro de 2007. Ridley não era apenas banqueiro: foi jornalista e é um escritor conceituado, sobretudo na área da Ciência.
Chuck Prince - Citigroup
Tornou-se CEO do Citigroup em 2003 e demitiu-se em Novembro de 2007, depois de inesperadamente o banco apresentar perdas no terceiro trimestre, devido às perdas associadas a investimentos como os CDS. Prince saiu do banco com cerca de 38 milhões de dólares de bónus e continua a ser consultor do Citigroup. Ficou ainda mais conhecido pela frase que utilizou para explicar o facto de o banco continuar a fazer negócios altamente alavancados à medida que a crise do ‘subprime' piorava : "Enquanto a música estiver a tocar, tens de te levantar e dançar". Para Prince, como para outros grande banqueiros, o problema foi quando a música acabou.
Stan O'Neal - Merrill Lynch
Tornou-se CEO da Merrill em 2003, depois de ter presidido à divisão de ‘private clients', onde levou adiante despedimentos massivos. Assim que chega ao poder da Merrill Lynch, O'Neal decide livrar-se da cultura de ‘job security', argumentando que isso promovia uma cultura de facilitismo e não de mérito. O'Neil deu maior dimensão às áreas de trading e foi um dos maiores subscritores de CDO colateralizados por crédito hipotecário. Quem questionasse o risco em que o banco estava a incorrer na altura era despedido ou colocado "na prateleira". Uma estratégia que deu origem a enormes bónus, até que em Agosto e Setembro de 2007 a Merrill Lynch anunciou perdas de oito mil milhões de dólares. À medida que a crise piorava O'Neil abordou o Wachovia Bank sobre uma possível fusão, mas sem obter primeiro a aprovação da administração da Merrill, o que levou à sua saída. O'Neil saiu com um pacote de compensação que incluía acções e opções da Merrill avaliadas em 161,5 milhões de dólares na altura. Em Janeiro de 2008, O'Neil foi nomeado para o conselho de administração da Alcoa. A Merrill Lynch foi vendida ao Bank of America, no período mais sensível da crise financeira.
Dick Fuld - Lehman Brothers
Era o CEO do Lehman desde 1994. Era conhecido como o Gorilla em Wall Street devido à sua veia competitiva, ao seu carácter irascível e a uma presença física que intimidava colaboradores e adversários. Esta característica ficou bem clara num vídeo interno do banco, acerca dos ‘short-sellers', no qual Richard Fuld arranca a seguinte frase: "Sou suave, sou adorável, mas o que eu quero mesmo fazer é esticar o braço, arrancar-lhes o coração e comê-lo antes que eles morram". A sua agressividade não se ficava pelo trato, e era adoptada também na forma de fazer negócios e nas apostas financeiras que o banco assumia. Até ao último momento, recusou-se a acreditar que a Reserva Federal fosse até ao fim e mantivesse a recusa em salvar a instituição a que presidia. O dia acabou por ficar como símbolo de que a crise também abatia os gigantes.
Jimmy Cayne - Bear Stearns
Foi o primeiro banco a cair pelas mãos do ‘subprime'. Estava fortemente investido em produtos derivados colateralizados por créditos de má qualidade. Os primeiros sinais do que aí vinha foram dados precisamente por dois fundos do Bear Stearns, ainda em 2007. Em Março de 2008 foi comprado pelo JP Morgan por dez dólares por acção (em Fevereiro de 2008 o banco cotava a 93 dólares por acção). A instituição suspendeu o pagamento de bónus aos seus colaboradores em 2007, mas antes de o fazer Jimmy Cayne recebeu mais de 87 milhões de dólares em dinheiro pelos seus esforços, de 2000 a 2006.
Fred Goodwin - Royal Bank of Scotland
Demitiu-se em Outubro de 2008, com efeito a partir de 31 de Janeiro de 2009. Precisamente um mês antes de o Royal Bank of Scotland apresentar perdas anuais de 24,1 mil milhões de libras, a maior perda anual na história empresarial do Reino Unido. O título de Cavaleiro (knighthood) atribuído em 2004 por "serviços ao sistema bancário" foi cancelado e anulado a 1 de Fevereiro de 2012. O que se compreende, tendo em atenção que a exposição do banco ao sector do ‘subprime' obrigou o Estado britânico a nacionalizar a instituição.
Ken Lewis - Bank of America
Tornou-se CEO, presidente e chairman do BoA em 2001 e saiu em Setembro de 2009. Em Setembro de 2008, e depois de ter recebido 86 mil milhões de dólares da Fed, Lewis escreveu aos seus accionistas dizendo que ele estava ao leme de "um dos mais fortes e mais estáveis bancos do mundo". No início de Janeiro o BoA comprou o Countrywide por 2,5 mil milhões de dólares, um negócio que foi caracterizado por alguns como o pior negócio na história da finança americana, já que o custo total viria a exceder os 40 mil milhões de dólares, devido às perdas do banco relacionadas com o subprime. No dia em que o Lehman Brothers declarou falência, Ken Lewis anunciou a compra do Merrill Lynch, por cerca de 50 mil milhões de dólares. Durante o ano seguinte multiplicaram-se as críticas em relação aos bónus milionários que o BoA continuava a pagar aos colaboradores do Merrill Lynch, ainda mais porque esse dinheiro tinha vindo da Fed.
Robert Diamond - Barclays
Antes de se tornar CEO do Barclays, a 1 de Janeiro de 2011, Bob Diamond ocupou o cargo de CEO do Barclays Capital e foi o responsável pela compra e integração dos activos norte-americanos do falido Lehman Brothers. Bob Diamond foi muitas vezes criticado pelo elevado salário, 63 milhões de libras em 2010, e falta de humildade (foi mesmo criticado por responsáveis governamentais, devido ao seu estilo de vida dispendioso). Em 2011 recebeu um bónus de 6,5 milhões de libras, o maior entre os bancos britânicos. De saída do Barclays devido ao escândalo de manipulação da Libor, Diamond renunciou ao bónus de 20 milhões de libras, mas levou cerca de dois milhões de libras de indemnização.
Kenitchi Watanabe - Nomura
Era o CEO do Nomura desde 2008 e demitiu-se a 26 de Julho último. A sua demissão surge na sequência de uma investigação realizada pelo regulador japonês a vários bancos por suspeitas de ‘inside trading'. O Nomura foi um dos bancos visados, apontando o dedo a uma cultura demasiado orientada para o lucro e para a fraca formação dos funcionários em termos de regras de ‘inside trading'. Um estudo do comité interno de investigação do Nomura referia que num departamento, "o ambiente de trabalho parecia ser o de os funcionários estarem dispostos a tudo fazerem para atingirem os objectivos de vendas". É um dos últimos casos da banca, embora sem relação com o ‘subprime' ou a crise actual. Curiosamente, o Nomura comprou as actividades da Lehman na Europa e na Ásia para se tornar um ‘player' global.
Peter Sands - Standard Chartered
É o último capítulo nesta saga, e o único CEO que se mantém no lugar. As autoridades norte-americanas ameaçam retirar ao Standard Chartered a licença para operar em Nova Iorque, acusando o banco de ter colaborado na lavagem de dinheiro de bancos iranianos, num valor de até 250 mil milhões de dólares. Estes negócios com bancos do Irão violam sanções económicas decretadas pelos EUA. Em resposta, as acções do Standard sofreram fortes quedas, até Peter Sands ter saído em defesa da instituição. Mas não esteve só. O próprio Governador do Banco de Inglaterra Mervyn King veio lamentar não ter sido informado das investigações e a falta de cooperação das autoridades norte-americanas. Já Boris Johnson, o controverso presidente da câmara de Londres, acusou mesmo os EUA de estarem a ser "proteccionistas", atacando um centro financeiro rival por "inveja".
E os sobreviventes...
Lloyd Blankfein - Goldman Sachs
O homem que diz que os bancos fazem "o trabalho de Deus" é, provavelmente, o banqueiro mais poderoso do mundo ou pelo menos visto como tal. Para tal, bastava-lhe ser presidente e CEO da Goldman Sachs, o banco mais influente a nível mundial, por onde já passaram boa parte dos responsáveis políticos e financeiros em muitas partes do globo. Blankfein também teve de suportar perdas e escândalos mas, ao contrário da grande maioria dos concorrentes, manteve-se no lugar e saiu sempre por cima. Recentemente, viu a Goldman saltar para as páginas dos jornais quando um antigo funcionário denunciou publicamente a filosofia reinante no banco. O "Homem Goldman" é altamente competitivo, esbanja testosterona, está "queimado" ao fim de poucos anos de serviço para ser substituído por alguém mais jovem e mais determinado e, sobretudo, coloca os seus interesses e os do banco acima dos dos seus clientes. Blankfein lançou uma operação de charme para responder a estas acusações.
Jamie Dimon - JP Morgan
É o outro grande sobrevivente da crise. Mais, ganhou quota e dimensão enquanto outros definharam ou deixaram pura e simplesmente de existir. O JP Morgan recebeu dinheiros públicos ao abrigo do TARP, apesar de, depois disso, ter admitido que não precisava (as autoridades transferiram dinheiro para muitos bancos, para não mostrar ao público quais os que realmente estavam fragilizados). Sob a direcção de Dimon, o JP Morgan não só devolveu o dinheiro ao Estado como chegou à liderança do mercado financeiro norte-americano no que toca à emissão de cartões de crédito, valor de activos sob gestão e valor de mercado. Recentemente, anunciou uma perda de dois mil milhões de dólares, devido a uma estratégia "com falhas, fracamente revista, fracamente executada e fracamente monitorizada", nas palavras do próprio Dimon. De imediato, Paul Krugman veio publicamente criticar Dimon e o JP Morgan, por estar, de novo, a fazer apostas de risco. Krugman acusa ainda Dimon de ser o principal responsável pelo lóbi político contra mexidas na regulação do sector financeiro
*Tiago Freire e Marta Marques Silva
Diário Económico
Sugerido por Lara Ferraz
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Perante este descalabro, como é possível não querer admitir que os bancos têm de passar para a órbita da soberania do Estado! É evidente que isto, a nacionalização da banca, só será possível com o desencadeamento de um movimento revolucionário mundial, que tenha por objetivo único promover o bem estar das populações, através de reformas muito profundas que orientem a economia para a produção e distribuição dos recursos e não para a especulação financeira. Enquanto os mercados financeiros continuarem a comandar a política, as crises irão surgir em catadupa, numa espiral vertiginosa, com consequências gravíssimas ao nível dos equilíbrios políticos e militares internacionais, ao mesmo tempo que também irão provocar a degradação do tecido social dos povos mais fragilizados. Tudo isto poderá precipitar a Humanidade no abismo.