Constato que andava mesmo enganado... Sempre pensei que a censura em Portugal tinha sido erradicada com a queda do regime fascista em 25 de Abril de 1974. Pois parece que não. A julgar pelas notícias que hoje vieram a terreiro, da não publicação de um artigo de Mário Crespo no JN, a censura em Portugal continua viva e a fazer estragos. Pensei que longe iriam os tempos de 11 de Abril de 1933 em que Salazar, em plena ditadura apelidada de Estado Novo, publicou o Decreto 22 469 e, através deste, instaurou a censura. Aliás, e porque cada vez mais nos esquecemos desses tempos e há até alguns que voltam, numa atitude irracional, "a clamar" por eles, nunca é demais lembrar que esse Decreto referia que era instaurada a censura prévia em "folhas volantes, folhetos, cartazes e outras publicações, sempre que em qualquer delas se versem assuntos de carácter político ou social"
Passados quase 77 anos da publicação do dito Decreto e quase 36 da Revolução de Abril parece que há quem o queira, ao Decreto e quiça a Salazar, reabilitar. Por mim não o fará e, como tal, envio em anexo o texto censurado de Mário Crespo.
Pedro Frias
***
O Fim da Linha
Mário Crespo
Terça-feira dia 26 de Janeiro. Dia de Orçamento.
O Primeiro-ministro José Sócrates, o Ministro de Estado Pedro Silva Pereira, o Ministro de Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e um executivo de televisão encontraram-se à hora do almoço no restaurante de um hotel em Lisboa.
Fui o epicentro da parte mais colérica de uma conversa claramente ouvida nas mesas em redor. Sem fazerem recato, fui publicamente referenciado como sendo mentalmente débil (“um louco”) a necessitar de (“ir para o manicómio”). Fui descrito como “um profissional impreparado”. Que injustiça. Eu, que dei aulas na Independente. A defunta alma mater de tanto saber em Portugal.
Definiram-me como “um problema” que teria que ter “solução”. Houve, no restaurante, quem ficasse incomodado com a conversa e me tivesse feito chegar um registo. É fidedigno. Confirmei-o.
Uma das minhas fontes para o aval da legitimidade do episódio comentou (por escrito): “(…) o PM tem qualidades e defeitos, entre os quais se inclui uma certa dificuldade para conviver com o jornalismo livre (…)”. É banal um jornalista cair no desagrado do poder. Há um grau de adversariedade que é essencial para fazer funcionar o sistema de colheita, retrato e análise da informação que circula num Estado. Sem essa dialéctica só há monólogos.
Sem esse confronto só há Yes-Men cabeceando em redor de líderes do momento dizendo yes-coisas, seja qual for o absurdo que sejam chamados a validar. Sem contraditório os líderes ficam sem saber quem são, no meio das realidades construídas pelos bajuladores pagos. Isto é mau para qualquer sociedade. Em sociedades saudáveis os contraditórios são tidos em conta. Executivos saudáveis procuram-nos e distanciam-se dos executores acríticos venerandos e obrigados.
Nas comunidades insalubres e nas lideranças decadentes os contraditórios são considerados ofensas, ultrajes e produtos de demência. Os críticos passam a ser “um problema” que exige “solução”. Portugal, com José Sócrates, Pedro Silva Pereira, Jorge Lacão e com o executivo de TV que os ouviu sem contraditar, tornou-se numa sociedade insalubre.
Em 2010 o Primeiro-ministro já não tem tantos “problemas” nos media como tinha em 2009.
O “problema” Manuela Moura Guedes desapareceu.
O problema José Eduardo Moniz foi “solucionado”.
O Jornal de Sexta da TVI passou a ser um jornal à sexta-feira e deixou de ser “um problema”.
Foi-se o “problema” que era o Director do Público.
Agora, que o “problema” Marcelo Rebelo de Sousa começou a ser resolvido na RTP, o Primeiro Ministro de Portugal, o Ministro de Estado e o Ministro dos Assuntos Parlamentares que tem a tutela da comunicação social abordam com um experiente executivo de TV, em dia de Orçamento, mais “um problema que tem que ser solucionado”. Eu.
Que pervertido sentido de Estado. Que perigosa palhaçada.
Nota: Artigo originalmente redigido para ser publicado hoje (1/2/2010) na imprensa.
12 comentários:
Alexandre,
Obrigado por "publicitar" não as minhas palavras mas o que alguns tentam esconder.
Abraço
É bom que sejam divulgados estes casos para que se conheça bem até onde o poder dos políticos pode ir.
Alexandre.
Como disse no meu Arroios, esta é uma resposta ao seu comentário de lá, para que os leitores de ambos tenham curiosidade e analisem o que cada um de nós disse.
Não duvido que abomine como eu o voyerismo, a mentira e a bufaria, assim como eu abomino “qualquer forma de perseguição”, onde se inclui a perseguição política, até porque vivemos quase a mesma época no nosso país e nela, episódios que não queremos reeditar. Onde me parece que existe uma grande diferença na análise destas questões, é no facto de eu achar perigoso que se confundam episódios conjunturais motivados por conflitos de personalidade destes, com tudo o que de muito mau nos aconteceu, ao ponto de se utilizar a adjectivação: fascizante, para definir uma conversa de café. As juventudes que assistiram aos alvores do Fascismo e do Nazismo, saberão melhor responder a esta questão do que eu, mas uma coisa tenho como certa, não estaremos a formar os que aí vêm se lhes dissermos que o Fascismo afinal eram tricas deste nível, podendo até ser perigoso aventurarmos nessa comparação.
No fundo, os Pró uns e os Contra outros, definem-se de um modo geral por acreditarmos mais nuns do que noutros, e o gosto-ou-não-gosto, é na maior parte das vezes determinante e sobrepõe-se com frequência à razão. Ora, eu confesso-me, sou de Esquerda porque é aí que encontro os valores que conformam com as minhas utopias, e escrutino com a maior frequência todo o tipo de estratégias que a atacam. Conheço-lhes, como o Alexandre conhece a forma como o fazem, e em momento nenhum cedo perante estratégias de divertimento. Peço desculpa de fazer esta confissão que até nem me fica bem, mas deixo muita vez que o meu instinto me ajude a detectar o que a razão deixa por vezes passar. Mas que hei-de fazer? Pertenço ao reino animal.
Um grande abraço.
Esta intervenção do meu amigo Grazina, que me foi previamente anunciada, é a sua resposta a um meu comentário, que eu deixei no seu blogue "Arroios", a propósito de um seu artigo sobre o caso Mário Crespo, e onde era assumida a defesa da integridade moral de José Sócrates.
Para situar melhor o leitor sobre o antagonismo dos diferentes pontos de vista expressos, transcrevo para este espaço o citado comentário, deixando para um outro post a resposta à intervenção que o Grazina aqui deixo, no Alpendre da Lua:
"Amigo Grazina:
Como sabe, não me identifico com Mário Crespo, nem também com a Manuela Moura Guedes. Mas reconheço que ambos foram vítimas da acção persecutória de José Sócrates, que não perdoa a quem lhe possa estragar a imagem.
Eu não nego ao primeiro-ministro o seu direito de criticar quem muito bem entender, quer em privado, quer em público. Mas, o que neste triste episódio assume uma grande gravididade, é a assumpção de uma atitude fascizante de perseguir, por motivos políticos, o jornalista Mário Crespo, considerando que ele contitui "um problema", que é preciso "resolver". E esta atitude foi assumida na presença do superior hierárquico de Mário Crespo, que almoçava numa mesa ao lado.
Eu conheço, por experiência própria, os métodos utilizados pelo poder político para chantagear os meios da comunicação social. Como jornalista, fui vítima da prepotência de um presidente de câmara, por sinal, do Partido Socialista, que ameaçou discretamente retirar do meu jornal toda a publicidade oficiosa da autarquia, caso eu continuasse a escrever sobre os casos de corrupção, que investiguei. Curiosamente, a PJ e o MP andam agora a investigar alguns desses crimes.
Nota: Ao escrever este texto, parti do princípio de que Mário Crespo está a falar verdade. Caso seja uma grosseira mentira, José Sócrates deverá considerar-se difamado e, consequentemente, exigir em tribunal as provas respectivas".
Amigo Grazina:
No meu comentário, eu não classifiquei a "conversa de café" de fascizante, tal como afirma. Utilizei o epíteto, por analogia, em relação à atitude do primeiro-ministro, que, quando referiu que Mário Crespo era um "problema", que era "necessário resolver", estava a fazer uma ameaça ao jornalista, apoiando-se abusivamente na força política que o cargo que ocupa lhe confere, o que, eticamente, é condenável, juridicamente ilícito e politicamente repugnante.
Salazar, perante um caso destes, mandava um esbirro da PIDE para prender o jornalista. Sócrates, pela impossibilidade de poder usar os mesmos processos, recorre, através de meios sibilinos, melífluos e indirectos, ao saneamento.
O episódio, a ser verdadeiro, prefigura uma intenção grosseira de perseguição política e um grave atentado à liberdade de expressão.
Pela minha parte, e ao contrário da sua posição expressa, na parte final do seu comentário, eu não faço os meus juízos de valor,baseado em ortodoxias ideológicas e partidárias, pois não sou fundamentalista nem fanático. Julgo as pessoas, as acções políticas e os comportamentos, através do crivo da razão.Por isso não tenho complexo nenhum em aceitar uma ideia, um comportamento e uma acção política de pessoas ou de partidos políticos de outros quadrantes ideológicos, desde que se encaixem dentro da minha razão.
E aqui, neste caso, não me interessa nada saber se Mário Crespo é de direita, do centro ou de esquerda, se é católico, protestante ou ateu. É um cidadão e um jornalista que não pode ter o seu posto de trabalho sob a ameaça da prepotência de um primeiro-ministro.
Alexandre. Apesar do bom desenvolvimento do seu argumento, continuo a não ver as coisas dessa forma, porque tudo começa para mim no crédito a dar à escuta de uma conversa privada em que - provavelmente - o atingido é alguém que se sabe que ostencivamente alimenta um diferendo público que vem em crescendo a chegar ao nível do achincalhamento, através do insulto pela utilização de subentendimentos sem força para acção judicial. Foi “O Palhaço”, o último exemplo do nivel em que já vai a sua escrita e a “individualidade” ou a “personalidade” MC acha-se intocável e no direito de epitetar assim quem lhe apetecer e de se puxar a si os galões que não tem, para se nos queixar à calimero: “não gostam de mim e aquele senhor está a dizer aos outros que eu sou um chato de merda... Eu, vejam bem!”. A diferença é que MC faz em público aquilo que condena que outros façam em privado.
Se lhe apetecer muito apalhaçar daquela forma esquiva uma qualquer figura do Estado, e o souber fazer num quadro legal, está no seu direito, porque o 25 de Abril que alguém fez para ele, o permite, mas então seja honesto e não o embrulhe no papel de comunicador. Pode fazê-lo por exemplo no livro que parece que está para editar – e até vem a calhar - onde as regras não são exactamente iguais mas a Liberdade é a mesma.
Não estou com isto a fugir à questão que o Alexandre acha principal, valorizo é mais outros indícios por sinceramente acreditar que Fascismo nunca mais!
Abraço.
Amigo Grazina:
Qual seria a sua posição, em relação ao comportamento do primeiro-ministro, se tivesse a certeza de que a versão do Mário Crespo era verosímil?
Um abraço
Alexandre de Castro
Caro Alexandre, penso também assim e subscrevo esta frase:
"É que, em política e sociedade, só valem as declarações públicas. Assumidas. Nem os apartes, nem as piadas, nem os desabafos."
Nuno Rogeiro, Sábado, 4 Fev. 10
Lido em: http://corporacoes.blogspot.com/2010/02/da-serie-frases-que-impoem-respeito-407.html
E este Nuno Rogeiro não faz parte da antourage de Sócrates. Aquilo que me importa descutir é se eu tenho o direito a escrutinar as conversas privadas seja de quem for. Imagino o que dirão Cavaco ou Jerónimo, ás suas Marias ou amigos quando não estão vigiados. Concedo-lhes o direito de falarem sobre mim desde que não o façam para o público - declaração pública - embora o possam fazer de forma privada, em público. Não o posso evitar porque faz parte de um direito que lhes assiste: falar privadamente num local público. Se alguém me vier dizer que um palhaço estava a dizer mal de mim a outro palhaço, só tenho um remédio: não ir ao circo ver os palhaços ou ir à tromba aos palhaços. E Crespo já está a hábilmente a fazer isso, não vai desta vez votar nos palhaços e já vem aí, com a ajuda da amiga Zita, com um livro de peso que lhes vai doer na cabeça.
Abraço
Segundo li, a conversa não era tão privada como isso. Houve uma certa intencionalidade para que ela fosse ouvida na mesa ao lado, onde se encontrava o Nuno Santos, o superior hierárquico do Mário Crespo.
Julgo que a questão está encerrada, a não ser que o Grazina queira acrescentar mais alguma coisa.
Vamos agora concentrarmo-nos na crise actual. Na questão da Madeira apoio o governo. Alguém tem que acabar com o despesismo megalómano do AJJ e com a sua arrogância. Eu por mim já tinha dado a independência à Madeira.
Um link sobre este assunto. Haja seriedade e os jornalistas com ódios de estimação não são, a meu ver, as pessoas mais sérias.
Muito menos alguns políticos!
Sim, maior dor de cabeça a questão d'hoje e também outra vez o Jardim e desta vez a desejar-nos bom Carnaval. Estou farto do homem e do mal que faz à relação entre nós. O primeiro político que abertamente colocou a questão da pergunta aos madeirenses sobre a Independência foi Manuel Monteiro. Eu por mim não quero travar os anseios de povo nenhum que se julgue tão diferenciado de nós ou mal tratado.
E o episódio das Agências de rating fez-me lembrar um post que tem aí mais acima. Os mesmos que um dia antes da ecatombe nada sabiam estão aí outra vez com a mesma pujança, facturando já lucros invejáveis com este tipo de serviço figem prestar. Agora enganando-se na procura excepcional que teve a emissão de papel da dívida grega. Uns farçolas... Temos que escrever mais sobre estes artistas e da razão porque não tem a UE orgão próprio que os substitua nestas análises do mercado.
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