Alpendre da Lua
O sítio ideal para ver a Terra
terça-feira, 3 de agosto de 2021
A Bruxa de Trevões
Em qualquer história aparece sempre uma personagem que se destaca das restantes, por uma qualquer saliência da personalidade ou por uma qualquer qualidade especial, seja ela de natureza comportamental, temperamental, anímica ou de uma outra qualquer variante psicológica, das muitas que existem nos humanos.
Neste caso, é o senhor F... , um homem que, naquela aldeia duriense, situada
na bordadura da fronteira com o planalto transmontano, sobressaía entre os
demais, por ser muito esperto e matreiro e ter o olho muito fino para o
negócio. Destemido, bem-falante, arrojado e possuidor de uma grande
autoconfiança, seria assim que ele poderia ser descrito, por quem estivesse,
fora desta história, a observar-lhe o grau de superioridade que exibia, onde
quer que se encontrasse. Apostou ele, numa roda de amigos, à volta de uma mesa
de uma taberna da Carrapatosa (e já depois de ter dado as últimas notícias
sobre a guerra do Hitler, ouvidas em outros sítios, das suas constantes
andanças) que iria desmascarar o raio da velha bruxa de Trevões, cuja fama de
advinha e de curandeira se espalhara por muitas léguas em redor.
Foi só descer, por um caminho de cabras, a íngreme ladeira do vale do
Douro, contratar o serviço ao barqueiro da Valeira, para atravessar o rio, e,
depois, subir a encosta até ao Santo Salvador do Mundo - um local que, possivelmente,
teria sido um antigo lugar sagrado dos celtas, mas que, depois, foi recuperado pelo
cristianismo, que ali ergueu doze capelinhas, tantas quantas são as estações da
Via Sacra, mas que, agora, estava votado ao abandono, devido à concorrência de
outros santuários mais sumptuosos e bem situados estrategicamente em lugares de
acesso fácil - e ei-lo a apanhar a nova estrada de maquedame, que o levaria, já depois de uma légua a andar a pé, à
aldeia de Trevões.
Quando a velha o mandou franquear a porta que dava para uma salinha,
onde recebia os clientes, já ele tinha mudado de semblante, agora carregado de
fingida tristeza e de recatada humildade. A tal personagem, fora da história,
que o visse agora, poderia dizer que o senhor F… já não era o mesmo homem
exuberante, que vira na Carrapatosa, apresentando-se agora tímido e cabisbaixo, e
exibindo até uma certa dificuldade em falar.
Feita a saudação do costume, com muita reverência de parte a parte, e
depois de ambos se sentarem à volta de uma mesinha, coberta por uma camilha
vermelha, a velha, de olhos vivos e perscrutadores, à procura de um qualquer
sinal importante, perguntou-lhe ao que vinha.
O senhor F… torceu-se no assento, colocou no movimento das mãos, sobre o
tampo da mesa, toda a sua encenada hesitação, e respondeu: sabe, minha senhora,
o meu pai foi para o Brasil, quando eu era muito pequeno, ao ponto de nem
sequer me lembrar muito da sua cara. Depois de algumas cartas, enviadas do
Brasil, para a minha mãe, ele deixou de escrever e nunca mais soubemos nada
sobre a sua vida. Não sabemos se é vivo ou se é morto.
A velha, depois de perguntar qual a terra do senhor F… e o que fazia,
assim como o nome completo do seu pai e o ano em que ele emigrara para o
Brasil, e dando sinal de estar satisfeita com as respostas recebidas, pediu
licença para retirar-se por uns momentos e entrou para uma outra dependência da
casa, fechando a porta, o que levou o senhor F… a pensar que a bruxa deveria
ter ido consultar os recortes necrológicos do jornal “VOZ DE PORTUGAL NO BRASIL”,
que ele sabia que a bruxa religiosamente guardava, por ordem alfabética.
Uma vez regressada à sala, e compenetrando-se na solenidade do momento
do anúncio do seu veredicto, que, como se saberá, será infalível e irrevogável,
a velha disse: Sabe, senhor F… O seu pai está vivo, está com muita boa saúde e
é um homem muito rico. Brevemente, ele regressará a Portugal, para se juntar à
família.
Palavras não eram ditas, e já o senhor F… , com um ar triunfalista, e
batendo com os nós dos dedos no tampo da mesa,
largou uma sonora gargalhada e retomou o seu ar altivo e descontraído, e disse: Oh, minha
senhora! O meu pai já morreu há uns anos e nunca foi para o Brasil.
E, quando já se levantava, exibindo descarado desdém e dando mostras de
que se iria embora, mesmo sem pagar o serviço, a velha, com uma serenidade
profunda e seráfica, adquirida nas catacumbas do tempo, por herança dos
seculares segredos da profissão, travou-lhe o ímpeto e a afronta do escárnio, e
disse: O senhor F… está enganado! O seu pai, aquele que já morreu, há uns anos,
não era o seu pai…
Alexandre de Castro
Maio de 2014
sexta-feira, 16 de julho de 2021
A uma poeta que voa nas asas dos pássaros...
Também eu te invento, todos os
dias...
Também eu desespero com o
absoluto inatingível...
Também és aconchego da minha
alma torturada...
Também te leio, com deleite...
Também te espero, na viagem
redentora do pássaro azul,
no alvoroço da madrugada...
Também te amo, embora tu não
saibas...
E eu que não posso sentir-te,
nem ver o teu olhar!...
Nem contigo respirar os aromas
dos teus poemas
porque, para mim, o dia será sempre
noite
e é na noite que eu expio as
minhas penas....
Alexandre de Castro
Lisboa, Julho de 2016
Passei ao lado de uma nuvem negra, mas não morri…
sábado, 8 de maio de 2021
Foi naquela tarde, em Borlänge...
Foi
naquela tarde, em Borlänge...
À Tessa Asplund, a afro-sueca, de aspecto frágil, que fez parar a frente de uma manifestação de neo-nazis
O teu gesto, que da razão fez a força, desarmou os que,
através da força, querem ter sempre razão.
Há momentos de uma difusa claridade, em que a verdade se
ilumina de repente e de uma forma fulminante.
AC
Foi naquela tarde, em Borlänge,
negra de bandeiras, de suásticas e de caveiras,
que, da fragilidade trémula de um caule,
nasceu uma flor.
Uma pérola negra do rebento de uma semente
antiga
- da memória do tempo dos escravos -
venceu a Besta, que não pára de escoicinhar.
A arma secreta e mortífera foi esse teu gesto
digno
de entrares nua no covill
e de derrubares as muralhas,
da fortaleza onde habitam as serpentes.
Ergueste o teu punho de prata,
onde guardas as sombras dos teus sonhos
e eu já não tive tempo
de oferecer-te um cravo vermelho, de Abril...
Alexandre de Castro
Lisboa, Maio de 2016
Ver notícia:
https://www.jn.pt/mundo/interior/imagem-de-mulher-negra-a-enfrentar-neo-nazis-torna-se-viral-5159663.html
segunda-feira, 3 de maio de 2021
Poema aos ventos dos céus
Poema aos
ventos dos céus
a luta entre o Espírito e a carne
entre a Matéria e o Verbo
a Terra treme debaixo dos meus pés
quando amo
e todos os sonhos do mundo
cabem dentro de mim…
Não há paz no Universo
para meu sossego…
Procuro-te, oh deusa dos céus
dentro da minha visão lunática
que me leva ao princípio dos abismos…
Tudo se apaga à minha volta
e só consigo ver o luzeiro do céu estrelado,
e ouvir o galope dos ventos cósmicos
que te fecundam…
Alexandre de Castro
Lisboa, Outubro de 2015
terça-feira, 27 de abril de 2021
Guernica
Guernica
O dedo negro e adunco da facínora mão
traçou
num sujo mapa as coordenadas da morte...
Condenou
um povo à sua sorte!...
E
a Besta, na espessura grotesca do seu porte,
escoucinhou
o ar,
espumando
baba, sangue e raiva,
e,
decretando a celerada lei
pela
Humanidade proscrita,
deu
um berro descomunal
e
disse:
-
Matai a Liberdade!... Aqui!... Em Guernica!...
A
Besta hedionda,
fúria
encastelada de ventos mortais,
vomitando
fogo, ferro e aço,
espectro
gigante de asas negras esvoaçando,
riscou,
sinistra, o espaço...
No
céu azul daquela tarde adormecida
a
aventesma apareceu...
Um
povo do mundo ignorado,
desassossegado
e aflito,
de
medo e espanto trespassado,
morreu!...
Debaixo
dos escombros sucumbiu...
Sepultado
nas crateras que o fogo abriu...
Lisboa,
Fevereiro de 1985
Registado:
IGAC/MC- 5467/2004
Publicado na Seara Nova (Nº 10 FEV)
sexta-feira, 26 de março de 2021
A minha “poeta”
A minha
“poeta”
Nenhuma boca pode dizer as palavras
que tu já me disseste
nem eu as ouvirei, se alguém as imitar.
Só pela tua boca, eu sei falar e respirar
e nem precisas de inventar novas palavras,
para eu poder viver!
Guardarei no meu silêncio os teus sussurros
de todas as palavras que me ofereceste
mesmo aquelas que mais me doeram
e que eu já esqueci.
...
Por isso, tu serás sempre a “poeta”
a minha "poeta"!...
Mesmo que desertes
mesmo que tudo tenha de chegar ao fim.
Alexandre de Castro
Lisboa, Março de 2013
quarta-feira, 24 de março de 2021
Ode ao amor
sexta-feira, 19 de março de 2021
Dois tempos, duas épocas...
© Luís Lobo Henriques: Fotografia.
sábado, 13 de março de 2021
quinta-feira, 11 de março de 2021
quarta-feira, 10 de março de 2021
PINHÃO | VAMOS VOAR | Imagens aéreas em 4K
terça-feira, 9 de março de 2021
Adriano Correia de Oliveira - Canção com Lágrimas
quarta-feira, 3 de março de 2021
Homenagem
Alexandre de Castro
terça-feira, 16 de fevereiro de 2021
domingo, 14 de fevereiro de 2021
Salvador Dali - O Visionário da Pintura
Salvador Dali, um dos maiores pintores de todos
os tempos, perseguiu, durante todo o seu percurso artístico, a ideia da
transgressão, quer a transgressão temática, desconstruindo as narrativas
mitológicas e as narrativas do mundo real, tal como as interpretamos, quer a
transgressão formal, ao nível do estilo pictórico e ao nível da figuração,
optando por agigantar até ao limite as personagens e todos os elementos físicos
das suas composições. Repare-se, por exemplo, no efeito cinético, conseguido na
pintura "A Tentação de Santo António", em que o cavalo,
desencabrestado, parece querer saltar para fora da tela.
Dali, tal como Picasso, inaugurou um novo
conceito de pintura, que eu designo de surrealismo do fantástico ou, segundo
alguns autores, do surrealismo metafórico. Também poderíamos dizer que Dali
trabalhou na tela a alucinação, a loucura, a excentricidade e o assombro, numa
tentativa de intimidar o espectador, obrigando-o a ser mais activo na
observação e na interpretação da obra, já que, em relação ao passado, olhava-se
para uma pintura, de uma forma mais passiva e tranquila, tal como se se
observasse uma paisagem. Perante uma pintura de Dali, ninguém fica indiferente.
Pela intensidade das cores e pela distorção e gigantismo das formas, e, também,
pelo uso do plano da profundidade, que dá a sensação de não ter fim, Dali
impressiona e cria tensões emocionais nos espectadores. Ele não é o pintor da
estética harmoniosa. Na maioria dos seus trabalhos emerge uma tensão de
violência e uma sensação de desequilíbrio, à beira do abismo.
Alexandre de Castro
sábado, 23 de janeiro de 2021
Há mulheres que escrevem poemas às escuras
na
mão escrevem um nome de um santo.
Sentadas,
ficam à espera que as tempestades
desabem
sobre os homens das suas paixões
normalmente
são mulheres estéreis
que
foram educadas à sombra dos conventos
e que se benzem antes do coito,
assombradas
por medos ancestrais.
Tenho
de as segurar nos abraços fatais
quando
reviram os olhos nas órbitas dilatadas
e
o corpo é uma haste trémula de um arbusto
sacudido
pela passagem do vento.
Não
há um sorriso de encantamento,
naqueles
rostos cerrados, habituados à clausura
apenas
o fantasma do pecado
e a sombra negra do pesadelo nas noites brancas
Alexandre de Castro
domingo, 13 de dezembro de 2020
os deuses
quando escrevo para ti os poemas da redenção
ou quando me liberto da terra
nos momentos de solidão,
quando tu faltas.
É uma oração profana
que nenhum padre, rabino
ou mullah entende.
É uma oração
que não entra na igreja, na mesquita
e na sinagoga,
não foi revelada
nem ensinada,
não tem símbolos nem hinos
nem ortodoxias
nem assume verdades absolutas.
É aquela oração que tu me ensinaste
em murmúrios quentes, segredados,
nos nossos mútuos encantamentos
e para rezar a todos os deuses
por mim e por ti inventados…
sábado, 12 de dezembro de 2020
A ideia, inicialmente, choca um pouco, mas se
pensarmos melhor, iremos encontrar, e embora de forma mitigada, um instrumento
que pode evitar a fome endémica da Humanidade. Naturalmente, esse rendimento
mínimo terá de ser inferior ao salário mínimo instituído. O sistema também
funcionaria melhor, em termos de justiça social, se o salário mínimo de cada
país fosse atualizado automaticamente, através do referencial de uma percentagem fixa, em
relação à respetiva média anual dos salários praticados, em cada país. O Rendimento Básico
Incondicional obedeceria também a uma proporcionalidade em relação ao salário
mínimo ou em relação ao rendimento per
capita nacional.
Alguma coisa terá de ser feita a este nível, se
não quisermos ser confrontados, a médio prazo, com uma grande tragédia global
e, logicamente, também com incidência nacional.
Alexandre de Castro
Fevereiro de 2014
quinta-feira, 3 de dezembro de 2020
na cabeça a bacia de barbeiro
ornamento digno de tal guerreiro
elmo dourado de antigo cavaleiro
montado nos ossos duros do Rocinante,
cavalo de muita fome e paciência,
lança partida em cada investida
enfrentando da Natureza a inclemência
cortejando as damas com finura
falando, na sua loucura, com fervor
e imitando Cid, o Campeador …
pedaços da nossa vida pelo mundo
moinhos de vento dos sonhos então desfeitos
sendo apenas Sanchos, contrafeitos,
nem do cura gostando da figura
nem do mestre Nicolau a ronha e a manha,
tão normais e humanos são os seus feitos,
só
forjada na luta e na aventura…
Nunca o medo lhe travou a mão
a espadeirar a esmo mouro ou cristão…
Por dama ofendida dava a vida
mas armava grande confusão,
pois qualquer mulher era princesa
e qualquer estalajadeiro cortesão…
Só lhe invejo o amor por Dulcineia
não por ciúmes dela, coitada, que era tão feia,
mas pela beleza e formosura
que a loucura punha em tal figura…
Doutro modo se recorda a governanta,
senhora do seu nariz, pelo na venta,
pois tal mulher que os livros queima
a seu amo e senhor, sem compaixão,
é de esperar que não obtenha o meu perdão…
gostaria de imitar vossa grandeza,
amar Dulcineia, mesmo feia,
pensando amar uma princesa…
Sonhar os mesmos sonhos sem sofrer
querer também o governo da tal ilha
ter um asno e um Rocinante a jeito meu
comer com os cabreiros o que a terra deu
ver o amor nascer da própria lua
e atacar os carneiros com igual fúria…
e tivesse a fidalguia da tal Mancha
gostaria de ser o D. Quixote
e ter por escudeiro o Sancho Pança…
Mas se fosse anafado e de muitas carnes
atarracado e baixo, como compete
a pessoas da sua condição,
incapaz de fazer abstinências
e de Cavalarias nada soubesse,
que isso é de muito finas sapiências,
se me faltassem a coragem e a bravura
quando meu amo enfrentasse um quadrilheiro,
então gostaria de ser o escudeiro
do Cavaleiro da Triste Figura…