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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Opinião: O dia em que acabou a crise! – por Concha Caballero (*)


Quando terminar a recessão teremos perdido 30 anos de direitos e salários…
Um dia no ano 2014 vamos acordar e vão anunciar-nos que a crise terminou. Correrão rios de tinta escrita com as nossas dores, celebrarão o fim do pesadelo, vão fazer-nos crer que o perigo passou embora nos advirtam que continua a haver sintomas de debilidade e que é necessário ser muito prudente para evitar recaídas. Conseguirão que respiremos aliviados, que celebremos o acontecimento, que dispamos a atitude critica contra os poderes e prometerão que, pouco a pouco, a tranquilidade voltará à nossas vidas.
Um dia no ano 2014, a crise terminará oficialmente  e ficaremos com cara de tolos agradecidos, darão por boas as politicas de ajuste e voltarão a dar corda ao carrocel da economia. Obviamente a crise ecológica, a crise da distribuição desigual, a crise da impossibilidade de crescimento infinito permanecerá intacta mas essa ameaça nunca foi publicada nem difundida e os que de verdade  dominam o mundo terão posto um ponto final a esta crise fraudulenta (metade realidade, metade ficção), cuja origem é difícil de decifrar mas cujos objectivos foram claros e contundentes:
Fazer-nos retroceder 30 anos em direitos e em salários
Um dia no ano 2014, quando os salários tiverem descido a níveis terceiro-mundistas; quando o trabalho for tão barato que deixe de ser o factor determinante do produto; quando tiverem ajoelhado todas as profissões para que os seus saberes caibam numa folha de pagamento miserável; quando tiverem amestrado a juventude na arte de trabalhar quase de graça; quando dispuserem de uma reserva de uns milhões de pessoas desempregadas dispostas a ser polivalentes, descartáveis e maliáveis para fugir ao inferno do desespero, ENTÃO A CRISE TERÁ TERMINADO.
Um dia do ano 2014, quando os alunos chegarem às aulas e se tenha conseguido expulsar do sistema educativo 30% dos estudantes sem deixar rastro visível da façanha; quando a saúde se compre e não se ofereça; quando o estado da nossa saúde se pareça com o da nossa conta bancária; quando nos cobrarem por cada serviço, por cada direito, por cada benefício; quando as pensões forem tardias e raquíticas; quando nos convençam que necessitamos de seguros privados para garantir as nossas vidas, ENTÃO TERÁ ACABADO A CRISE.
Um dia do ano 2014, quando tiverem conseguido nivelar por baixo todos e toda a estrutura social (excepto a cúpula posta cuidadosamente a salvo em cada sector), pisemos os charcos da escassez ou sintamos o respirar do medo nas nossas costas; quando nos tivermos cansado de nos confrontarmos uns aos outros e se tenha destruído todas as pontes de solidariedade. ENTÃO ANUNCIARÃO QUE A CRISE TERMINOU.
Nunca em tão pouco tempo se conseguiu tanto. Somente cinco anos bastaram para reduzir a cinzas direitos que demoraram séculos a ser conquistados e a estenderem-se. Uma devastação tão brutal da paisagem social só se tinha conseguido na Europa através da guerra.
Ainda que, pensando bem, também neste caso foi o inimigo que ditou as regras, a duração dos combates, a estratégia a seguir e as condições do armistício.
Por isso, não só me preocupa quando sairemos da crise, mas como sairemos dela. O seu grande triunfo será não só fazer-nos mais pobres e desiguais, mas também mais cobardes e resignados já que sem estes últimos ingredientes o terreno que tão facilmente ganharam entraria novamente em disputa.
Neste momento puseram o relógio da história a andar para trás e ganharam 30 anos para os seus interesses. Agora faltam os últimos retoques ao novo marco social: um pouco mais de privatizações por aqui, um pouco menos de gasto público por ali e “voila”: A sua obra estará concluída.
Quando o calendário marque um qualquer dia do ano 2014, mas as nossas vidas tiverem retrocedido até finais dos anos setenta, decretarão o fim da crise e escutaremos na rádio as condições da nossa rendição.”
*
(*) Concha Caballero é licenciada em filosofia e letras e professora de línguas e literatura. Entre 1993 e 2008, ocupou um lugar no parlamento da Andaluzia, onde chegou a ser porta voz do grupo esquerda unida.
Deputada autonómica entre 1994 e 2008, foi uma das deputadas chave na aprovação da Reforma do Estatuto Autonómico da Andaluzia, a que imprimiu um caráter mais social e humano do que aquele que, no principio, os grupos maioritários do parlamento pretendiam.
Actualmente, colabora em diferentes meios de comunicação. Escreve sobre actualidade politica. Em 2009, publicou o livro “Sevilha cidade das palavras”.
Texto recebido por email

5 comentários:

  1. Fiza as contas ao meu salário actual e fui ver como era há muito tempo atrás. Recuando ano a ano, só em 2003 encontrei um valor semelhante ao que agora recebo.11 anos depois, ganho o mesmo!
    A crise acabou!


    Beijinhos Marianos! :)

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  2. * É importante dizer que, 11 anos depois, estou dois escalões acima... O salário foi emagrecido em todos os aspectos, já que também nem tenho esperança de alguma vez chegar ao topo da carreira!

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  3. A maioria dos portugueses (principalmente os reformados e os pensionistas) deveria fazer esse mesmo cálculo, para se obter uma melhor quantificação da dimensão do saque, de que está a ser vítima inocente.
    No meu caso, verifiquei que, tomando em linha de conta a inflação e os cortes aplicados pelos PEC's e pelos cortes dos últimos dois anos, o meu rendimento atual desvalorizou cerca de 50 por cento, em relação a 2001. Claro, que essa dimensão passa despercebida na mera comparação dos valores nominais, como a "Maria Eu" sabe, muito melhor do que eu.

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  4. Gostei imenso do anúncio de hoje e da satisfação dos governantes...a crise acabou??? É para rir ou chorar????? O pobre está cada vez mais miserável.....o remediado passou à miséria...o mediano passou à pobreza.....O fundo segurança social melhorou...pois claro...a emigração já atingiu valores superiores aos da década de 60. Eu não estou mal...estou péssima...se estivesse à espera do que me atribuíram por uma pensão de invalidez absoluta...já estava morta...nem para a medicação....e tenho que recorrer ao privado para me tratar. Descontei cerca de três décadas para a Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações,no total.....E a crise de valores que se instalou??? A lei da selva que se implementou.....que não venham deitar poeira para os olhos...cambada de garotos que nunca souberam na vida o que é trabalhar........A Crise acabou???? A lei do chicote também me apraz dizer que já esteve mais longe do que está....aliás já fazem tudo que lhes apetece....Enfim, falta outra revolução......

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  5. Os governantes querem obrigar-nos a olhar para as nuvens, para que não vejamos as labaredas do inferno, no nosso chão.

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